sexta-feira, 25 de dezembro de 2009
2009
Se 2009 fosse uma cor seria preto, vermelho e branco, nessa ordem e fora de ordem (porque não há)
Se fosse um animal seria um labradoodle
Se fosse um carro seria um Smart esquisistiloso, como a sapatilha da King55
a verdade é que eu também adoro ser esquisita
"tenho uma tendência ao otimismo", uma pessoa escreveu, e essa frase ficou na minha cabeça
Se 2009 fosse um sapato de flamenco seria o Carmen
se fosse um dia, seria hoje
Se fosse uma música, uma só música, talvez fosse Cira, Regina e Nana, do Lucas Santtana
mas se fosse todas seria qualquer uma da francesa Amelie Les Crayons ou da curaçolenha Izaline Calister
se 2009 fosse uma prova, ele seria daquelas interdisciplinares, em que se aprende ao mesmo tempo álgebra, língua portuguesa e biologia
se 2009 fosse um móvel, seria a mesinha roxa feita com latas de coca-cola pelos alunos da Lourenço Castanho
se fosse uma caipirinha, seria a de amora com carambola do Rabo de Peixe, é claro
uma coisa banal muito legal: achar o cartão de débito dele dobrado no lixo na Benedito Calixto, desdobrar o cartão e depois conseguir passar o cartão no Genésio, que vive normalmente com a cicatriz, bem e saudável, obrigado.
A praia mais bonita é Kenepa Grandi, em Curaçao
Se esse ano fosse um sentimento, seria aquele que eu experimentei com a família Buscapé, na Serra da Bocaina
ou quando entrei na casa de peroba verde e branca, em Cianorte.
Se 2009 fosse um choro, seria o de sexta-feira passada, no carro, em Moema, um choro cheio de tristeza velha e felicidade nova, por isso eu o compartilhei com pessoas que eu amo muito
se esse ano fosse um país, ele seria o meu, aquele do qual só eu faço parte, em que só eu pago os impostos, aquele que somente eu desfruto em dias de muito sol, boiando na piscina com o corpo gelado da água voltando a ficar quente
em 2009 eu fiz uma coisa deliciosa. eu me surpreendi. eu tatuei o infinito de Guimarães Rosa no pulso e vou passar a virada com os cachos dourados
se 2009 fosse uma profissão, seria a de equilibrista
termino 2009 perto de um sonho que achei que realizaria dali a uns 5 anos
você vê, o universo realmente escuta
é um lugar, uma rua larga, com flores cheirosas e uma escada firme de madeira na entrada
e também estou perto, que maravilha, de muitos outros lugares que serão meus, tantos que eu nem sei quais.
talvez eu não consiga listar, com a precisão do ano passado, o melhor show malucaço, o melhor beijo, o melhor banho de chuva
pois nem o momento que deveria ser o mais triste foi mesmo: eu gritei eu te amo entrando na sala de cirurgia, é verdade
ao meu lado, nós duas na maca e de touquinha, tinha uma japonesa velhinha que não queria responder às perguntas básicas da médica porque estava sem dentadura, e a médica delicadamente entendeu e virou-se para trás
2009 é aquele prato que você comeu e não sabe dizer o que tem ali, mas o gosto é tão bom
sexta-feira, 18 de dezembro de 2009
sacolacoralina
Dei para minha terapeuta o último disco da Mercedes Sosa; o patê de berinjela da Lucinha; minha primeira conserva, feita com pimenta-de-cheiro doce do Maranhão; um chaveiro de sapato que ganhei de uma garota turca quando tinha 11 anos; o livro de receitas da Cora Coralina. Juntei tudo assim, de manhã, num impulso. Aí, depois de muita e boa chuva, fiquei pensando: Alguém precisa de mais que um bom livro e boa música, comida gostosa de dar gula, uma pitada de pimenta e um sapato? Foi uma quitadeira mineira que me disse para ter sempre sapatinhos por perto, eles nos ajudam a manter o pé no mundo.
Mas tem mais uma coisa, sim. A gente também precisa de uma sacola para pôr tudo isso.
Quer ser minha sacola?
*desenho em couro feito por Célia Medeiros de Araujo, atualmente em exposição na Galeria Sumé, em Cianorte
quarta-feira, 16 de dezembro de 2009
os teus regalos
Em quatro dias, quebrei: um pote para patê comprado pela família para uma ocasião especial, o frasco do meu perfume muito novo (não vi que a caixinha estava aberta embaixo, joguei e vupt, perfeitamente em cacos no chão do banheiro). Perdi: meus velhos óculos de grau, minha carteira de trabalho. Dá um certo nervoso. Parece que a qualquer momento posso esbarrar num vaso da Dinastia Ming ou não achar a carteira na bolsa. Mas então ele me tranquiliza do outro lado da linha dizendo que essas coisas acontecem mesmo quando estamos mudando. É totalmente normal, ele diz. E eu lembro da Juno dizendo você é simplesmente a pessoa mais legal do mundo sem ter de fazer o menor esforço.
foto: meu amor
segunda-feira, 14 de dezembro de 2009
de amor
Um antigo amor me liga para parabenizar o primo que foi para a Formula 1, depois de anos cantando pneus. Olá, compadre, me ligou? Falou do Lucas, contou da mãe, que graças a Deus operou e sarou, da irmã agora carioca, do reveillon que vai passar com a namorada no Sri Lanka. Eu falei do novo desafio que apareceu e eu agarrei e contei sem pormenores que o meu fim de semana foi muito especial, que eu estive cercada de mulheres maravilhosas. Muitas horas depois liga, pergunta se tenho 2 minutos e diz: "Eu tô te ligando de novo porque senti uma coisa. Senti que você vai casar com ele. E me veio uma felicidade muito grande por você, e queria te dizer isso". Só eu que senti essa brisa boa? Amor vem de amor, já dizia o Rosa.
terça-feira, 8 de dezembro de 2009
o bebê quis sair
Uma mulher entrou em trabalho de parto em uma zona de alagamento. Foi resgatada por um helicóptero, que a levou até o Hospital Santa Joana. Eu estive no Hospital Santa Joana este ano, e encontrei o Silva na porta. Silva foi segurança no colégio onde eu estudei, agora recepciona mulheres gordas (como se diz lá na Igreja de Nosso Senhor do Bonfim quando a mulher emprenha). Silva está vivo em minha lousa de lembranças tanto quanto o azul do portão de ferro. Quebrou vários galhos. Deixava a gente sair pra comprar a paçoca do seu João e nos entretinha com histórias enquanto obrigatoriamente tínhamos de esperar a mãe professora em dias de plantão. Um dia, a gente viu o Silva sem o traje formal, vestindo bermuda e tênis de surfista, e achou super engraçado. Imagina o que a mulher que entrou no helicóptero sentiu quando teve a intrépida certeza de que o filho decidira nascer naquele exato instante? Quando eu fui ao Santa Joana, eu também estava grávida (mas não de um bebê, grávida de mim). Estar grávida em um hospital, afinal de contas, é quase um pleonasmo (numa reprodução esgarçada de Daniel Dantas em Histórias de Amor Só Duram 90 Minutos).
Foto: Paulo Whitaker/Reuters
sábado, 5 de dezembro de 2009
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
eu e meu fusca
Deu uma zica com carro lá em casa, nada que boas risadas não resolvam. Refleti que talvez estivesse na hora de comprar um. Descartei, de cara, ter uma dívida que sanaria mês a mês em aviltantes prestações. Deixei a ideia fermentando. Um dia, um ex-colega de redação contou que tinha comprado um fusca prateado. Inteiraço, peças originais, lindo o bichinho. Caro, claro. "Mas você acha outros ótimos pela metade do preço", me alertaram. Ora, um fusca está dentro do orçamento. Começou a saga: não tinha um que me escapava o olhar nas ruas, verde, azul, meio verde meio azul, marrom, vi de tudo e desejei todos. Espalhei para os taxistas e os motoristas do tráfego do jornal que estava querendo um. Ouvi que deveria parcelar um carro novo da marca tal, que fusca é para quem gosta de ficar consertando carro, que fusca roda 200 km com R$ 20 de gasolina. Até os desestímulos me deixavam com mais vontade de ter um. Depois de meses, eu encontrei. Um taxista me ligou dizendo que o sogro talvez topasse vender o seu. Fusca branquinho, único dono e seu nome é Vicente e é um doce de pessoa. Mas aí ontem um dos motoristas do jornal acenou pra mim lá de longe e disse: "Eu achei um fusca tão lindo, mas tão lindo, é verde escuro e fica numa esquina da Casa Verde. Toda vez que eu passo ali eu lembro que você queria um. Você não achou ainda, achou?". Não achei, eu respondi, e pensei que movimentar às vezes é muito melhor que achar.
Foto do flickr da manô
sexta-feira, 27 de novembro de 2009
No Rio de Janeiro...
Caminhei de mãos dadas no calçadão
comi risoto com camarões fresquinhos na simpática Trattoria
comprei uma canga de turista e tomei sol em Ipanema
estiquei minha canga em Copabacana, vendo o sol se pôr
sentei no café do Copacabana Palace e ganhei três bolachinhas
vi os garotos jogando futebol na beira do mar
flagrei um casal feliz dizendo "toca aqui!"
fiquei besta com a quantidade de vendedores na praia
conheci um bistrô pra lá de charmoso chamado Zazá
tomei caldinho de peixe e comi pastel de Santa Clara em frente ao Largo do Machado
me encantei por uma árvore na lagoa (as sementes vieram na mala, na esperança de que ela cresça também por essas bandas)
testemunhei um padre maluco casar dois desconhecidos
e as bodas de Nicolas Taunay
bebi (alguns...) chopes no Jobi, derrubei (um) chope no Jobi e conheci a filhinha do Otto, no Jobi
me perdi nos espelhos da Confeitaria Colombo
me encontrei nos espelhos do 11º andar de um hotel no centro
acordei e dormi olhando o Cristo Redentor
perguntei o nome de alguns taxistas e ouvi boa música no carro de um deles, cujo nome não me recordo
cantei A Gente Esquece com a Teresa Cristina, na Lapa (embalada por duas deliciosas caipirinhas de maracujá)
usei, pela primeira vez, meu vestido florido de Nova Orleans
não mergulhei, mas mergulhei os pés nas águas geladas do mar azul, azul. E foi suficiente
No Rio
amei
amei assim como a menina amou o livro em Felicidade Clandestina, conto da Clarice Lispector
mais felicidade
menos clandestina.
e, dentro da mulher, vai sobrar a dúvida: será que ele compreende mesmo o tamanho disso?
(publicado originalmente no blog secreto das meninas da baia 63, em 27 de maio de 2008)
quinta-feira, 26 de novembro de 2009
os intermediários
Você acha que, da mesma forma como nos furtam ideias que ainda nem tivemos, eles fazem brotar na nossa cabeça umas palavras que nunca usamos? Quando eu era menina, uma vez estava jogando basquete na escola e "averiguar" começou a piscar na minha cabeça. Eu batia a bola, errava a cesta e pensava: que raios significa averiguar? E às vezes não te dá uma coisa, e você repete "significa" como um bebê que engole a palavra pela primeira vez? E aí, de tanto repetir, deixa de significar significa e vira, sei lá, batata, nem importa mais. Você lembra da nossa gargalhada no meio do fechamento por causa de uma foto do papa? Acha que alguém também sutilmente se encarrega disso, como os três rapazes que fincam a pá no forno quente, quente de matar formiga a metros de distância, e puxam de lá uma dezena de panetones cheirando a cassata italiana? Todo paulistano é da Mooca.
Foto: Romulo Ueda
sexta-feira, 20 de novembro de 2009
quarta-feira, 18 de novembro de 2009
ninho
Uns tempos depois que a gente mudou de casa, passei na frente e a porta estava aberta. Pedreiros trabalhavam na reforma há meses. Perguntei a um deles se podia entrar, lembro exatamente o jeito como eu disse com licença, moço, mas é que eu morei aqui 15 anos.
Ele deixou.
Não tinha mais aquela escadinha de tijolo que dava acesso à área de serviço, por onde todo mundo sempre entrava.
A cozinha não estava mais lá nem a sala nem o jardim nem o salãozinho.
A casa usava a mesma roupa, mas tinha sido drasticamente demolida por dentro, e eu não tinha ideia, não me foi concedido nem o mais relapso dos avisos prévios.
Procurei meu quarto, procurei meu terraço
Andei a casa toda e era como se fosse um fantasma, ninguém me notava ali.
De tudo, restou apenas uma coisa: a sala de tevê.
Lembra quantas vezes você sentou no sofá azul marinho com bolachas mergulhadas no café com leite?
Me traz uma pequena calma imaginar que todas as casas de todas as ruas de todos os mundos carregam tantas histórias bonitas.
Nunca contei para a família que a nossa casa não existia mais, mesmo que eu fosse uma perfeccionista das explicações e eles compreendessem como alguém que confere os gastos no extrato bancário, não adiantaria.
Saí de lá do jeito que a gente sai quando o passado ganha frescor de cachoeira: esquisito e feliz.
Acho que foi um presente da velha casa, essa nossa íntima despedida.
quer dizer, até hoje quando, durante o sono, sonho que estou em casa, é essa casa que aparece.
Desde então eu fiquei mal acostumada:
quero sempre mudar e encontrar as portas destrancadas, para o caso de estar ali de passagem e precisar entrar.
ora, acho que dos piores vícios não é.
Foto: não sei
segunda-feira, 16 de novembro de 2009
novela das oito
Liguei para saber qual é a manga que dá na mangueira lá do sítio, e não me lembro exatamente como mas chegamos na novela das oito. "Você tá vendo? Ai, tá tão triste", eu falei. E ela, delicada, como sempre, me explicou que está vendo, sim, mas se fica muito triste deixa lá rolando e vai fazer outra coisa. Abre o jornal, lê revista, vai costurar uma roupinha nova para as bisnetas, liga para um dos filhos. "A vida toda eu fiz isso: se eu sei que alguma coisa vai me deixar triste, eu mudo de assunto e quando está tudo bem de novo, eu volto". Não é só culpa da laranja que ela religiosamente come todos os dias, sábia vovó.
*em tempo: vovó é autora do melhor suspiro do mundo
quarta-feira, 11 de novembro de 2009
quarta dose de leminski
desta vez não vai ter neve como em petrogrado aquele dia
o céu vai estar limpo e o sol brilhando
você dormindo e eu sonhando
nem casacos nem cossacos como em petrogrado aquele dia
apenas você nua e eu como nasci
eu dormindo e você sonhando
não vai mais ter multidões gritando como em petrogrado
[aquele dia
silêncio nós dois murmúrios azuis
eu e você dormindo e sonhando
nunca mais vai ter um dia como em petrogrado aquele dia
nada como um dia indo atrás do outro vindo
você e eu sonhando e dormindo
domingo, 8 de novembro de 2009
trilogia das cores
Virgínia estava muito gripada, mas não cancelou o show. Apareceu com cabelo curto vermelho, boca pintada de preto e vestido branco. Cada peça que nos prega essa vida, parecia até que tinha participado do último Círculo de Mulheres e ouviu aquela que adora ser esquisita dizer que todas as nossas transformações passam por essas três cores. Primeiro vem o preto, o medo-medão, escuro. Mas o que vier eu assino, disse o Leminski. Depois nos vestimos de vermelho, aparece a dor, que só de escrever dói, mesmo se você não tem nada para doer agora. E então surge o branco, branco espuma, o que vem não sei, mas "é bom que eu sinto". Assim disse a Talita, minha amiga que foi comigo ao Círculo e só tinha de ser com ela: naquele dia, contaram a história de uma mulher costureira. Talita sabe costurar magistralmente e não só suas belas bolsas com tecido de quimono. Pois por último vem o branco do vestido de Virgínia, mulher camaleoa, Aretha Franklin baiana que me trouxe Salvador e a força de quem perde a voz, mas não o lirismo. Apresentando um disco com esse nome, Recomeço, só podia mesmo estar de branco, e eu só podia estar lá vestida de flor e rodando sozinha no palco, por todas as minhas relações, que é como a gente diz antes de entrar na tenda quente e beijar o chão de terra. Que bom que o mundo é circular.
quinta-feira, 5 de novembro de 2009
manilkara zapota
Acho que todo dia acontece uma coisa legal. Assim, simplesmente legal. Várias. E nem estou incluindo beijos & manifestações teatrais no café. Tipo: no domingo passei na banca perto de casa e num impulso decidi levar a Vida Simples, li na capa R$ 12, por sorte tinha o dinheiro trocadinho e assim que o entreguei à vendedora, achei melhor confirmar o preço.
― É doze?
― Isso, e o seu?
Bom, sorri.
― É Giovanna.
Nem confirmei, mas ficou claro que seu nome era Rose. Qual é a chance, qual a probabilidade? Fui embora rindo de lado, puta calor na rua (pior é que as pessoas realmente gostam desse bafo quente, vi uma mulher dizendo 'assim que é bom!'. cruzes).
Na revista, uma matéria sobre frutas brasileiras me chamou a atenção. Anotei o nome do carinha colecionador de frutas raras, liguei pra ele e ele me indicou uma outra pessoa bacanérrima, cujo contato eu consegui na prefeitura de uma minicidade, só por causa de uma assessora que foi eficiente pra caramba. Eu até disseminei uma piadinha entreamigas por causa dela: não seria muito mais fácil se Deus tivesse uma boa assessora de imprensa?
Aí eu tomo uma coca-cola gelada, dou umas risadas sozinha, releio meu texto, penso em uma garotinha danada de esperta, que dê tudo certo, que seja feliz, anoto o nome científico do sapoti, manilkara zapota. Já começo a esboçar minha listinha do melhor de 2009, e coca-cola certamente continua sendo o santo remédio para dores diversas. Tudo parece tão banal, e tão divino.
outono em nova york
Uma vez li uma matéria que explicava o motivo pelo qual as folhas secas são vermelhas no hemisfério sul e amarelas no norte. Achei interessante, só que agora não me lembro o que era.
Não conheço, mas eu amo o outono em Nova York.
Jay Be foi para lá e fez um belo ensaio no Central Park, e um pedaço está aqui.
quarta-feira, 4 de novembro de 2009
palpite
Eu queria muito ter ido à casa da chef Lourdes Hernández domingo, no almoço em homenagem ao Día de Muertos. Não deu. Dias antes ainda cruzei com a Lourdes em um restaurante, ela fresca de vestido de verão, carregando açúcar. Queria entender o que o Día dos Muertos significa para ela e para os mexicanos e para mim. Tem a ver com aceitar nossas próprias sombras? Tem a ver com o recomeço de Virgínia? Por enquanto, me satisfaço com essa ilustração de Ernesto Fidel Romero Bayter.
sábado, 31 de outubro de 2009
caracas
Caracas, no lo creo, Virgínia Rodrigues amanhã e segunda no Sesc Pinheiros e a gente nem sabia! Disco novo, e olha o nome: recomeço. Putz grila, putz grila. Ela me lembra janeiro, Bahia, uma dor que se foi. A casa de uma pessoa muito especial, sauna quente, vidro embaçado, um laço, ventilador no teto. A gente deu de cara com a Virgínia no Tom do Sabor, em Salvador, e eu tirei uma foto com ela, que se perdeu, que se dane. Depois o cd não saiu do carro e então Sol Negro resolveu ficar em Piedade. Morou lá umas boas semanas e um dia, quando não havia nem esperança nem preocupação de recuperá-lo, estava em cima da minha cama, junto com um bilhete: "Obrigada". Não me canso de escutar a música dessa maravilhosa, é mais funda que poço de Passo Fundo, é um campo de girassóis, é um quarto branco, é o vestido florido que a amiga me deu, e não tem nada de mulherzinha.
sexta-feira, 30 de outubro de 2009
banca do ceagesp
Estava quente, pus os óculos escuros tortos como os do Mary e perguntei para o homem que passava onde podia encontrar frutas. Ele quis saber o que eu queria e rapidamente indicou um lugar, mas foi só na hora do tchau, obrigada, moço, que sorriu e disse: Ó, diz que você falou com o tal, e te garanto que você vai encontrar de todos os tipos e por preço bom. Todos, então já é época mesmo? Já é época, menina! Adoro fazer as perguntas certas para as pessoas certas, é por causa dessas bobagens que eu amo a vida. Voltei suando carregando caixa, tentando me equilibrar no salto alto. Entrei no carro, apertei a bichinha e chupei todo o suco, como eu fazia em alguma época que eu nem sei qual.
terça-feira, 27 de outubro de 2009
não pinte esse rosto
"Eu não estudei, sou analfabeta. Hoje você vê as pessoas tudo estudando. Mas parece que andam mais tristinhas, não é?".
Marina, uma mulher que certamente se encaixa na definição do Natanael: vibradora. Sabe fincar o pé.
Às vezes, antes de dormir, gosto de pensar em Marina.
Me emprestou sua cama, seu banheiro, a proteção de seu altar
Me mostrou que há motivos para continuar acreditando
na gentileza & delicadeza
Só queria me receber bem, não tinha nenhuma outra intenção.
Deixou que eu dormisse em sua cama, não sei onde dormiu
tarde da noite ligou o fogão, cozinhou pinhões e descascou muito mais do que aguentaríamos comer
acordou cedo para fazer o café
acha que bois são bravos
o velho sítio do pai tem 1000 pés da minha fruta preferida
me chamou de sua família
Se tivesse que escolher uma palavra, escolheria alegria
Até hoje, antes de dormir, vejo Marina com sua camiseta cor-de-rosa andando apressada na cozinha, nem 6 horas da manhã
"Bom di! Pode deixar, vai lá olhar a natureza"
Foto: Alex Silva
quarta-feira, 21 de outubro de 2009
e o motorista roqueiro disse
segunda-feira, 19 de outubro de 2009
reação em cadeia
E não é que uma nota de 1 real foi parar nas mãos da caçulinha? Quando Bianca mostrou ao pai ele contou que a irmã começara uma coleção das velhas notas. Acontece que a nota que Bianca obteve está em perfeito estado, o que me deixou um pouco confusa. Será que algum saudosista está secretamente produzindo notas de 1 pila? Só sei que me senti a irmã mais respeitada do mundo, aquela nota verdinha inteirona em cima da mesa de cabeceira. Logo eu que só tinha colecionado uma coisa na vida: farelo de borracha. Virou moda uma época. A gente comprava borrachas de várias cores e ficava apagando adoidado, juntando tudo em potinhos vazios de miçanga, poções mágicas. Esperrrdício. É politicamente incorreto, mas tem coisa melhor que desperdiçar?
sexta-feira, 16 de outubro de 2009
secos e molhados
Ela cacheava o cabelo na frente do espelho com a pomada, as mãos melecadas, cheiro de shampoo barato. Ouviu "menina, você acha que eu tô seca?", virou-se e era para ela. Como assim, seca, moça? Até então a palavra seca era aplicada às barrigas fabricadas das saradas que andam pelada no vestiário do clube. "A senhora não é seca, a senhora está ótima", respondeu, rápida como tarte tatin escorregando da fôrma, e se surpreendeu com o tom da própria voz. "É que as meninas disseram que eu tô seca. Eu como pouco, uma conchinha só de arroz, outra de feijão. Aí me deu um enjôo esses dias, elas perguntaram se eu como à noite, eu não janto. Eu sou assim mesmo, magrinha, mas você acha que eu tô seca?". De jeito nenhum. "Mas olha, uma coisa é certa: é bom se alimentar à noite, viu? Não faz bem deixar de comer", a garota falou, sentindo os sapatos de veludo vermelho agarrando o chão. "Se bem que às vezes", continuou, "também pode ser falta de blush". Pintaram o rosto de peach twist. Foi então que começou a tocar Beatles (tá vindo de onde esse som, da privada?) e a girafa grafitada na porta saiu do box e esticou o pescoço, e todo mundo entendeu o mistério dos buracos no teto do banheiro. Agradecida com a resposta, despediu-se cantando alguma música religiosa, só podia ser, tinha a palavra Deus no meio. E foi gozado que agora é que a menina se tocou - mas que tombo da memória! -, a mulher estava ao lado dela cantando a mesma música o tempo todo, desde o instante em que abriu o frasco de pomada.
Ilustra: Laura Laine
quinta-feira, 15 de outubro de 2009
borboleta da rosa
"Uma borboleta vistosa veio voando... - Ara, viva, maria-boa-sorte! - o Jiribibe gritou. Alto ela entendesse. Ela era quase a paz".
*essa veio da Rosa Haruco Tane por e-mail, acabei de rasgar a caixa, fresquinha. O trecho está em Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa. É o segundo e-mail bonito que recebo logo cedo essa semana, e por isso me sinto profundamente agradecida (e ele ainda assopra, sem saber de nada: rosa, morena rosa).
terça-feira, 13 de outubro de 2009
emblema rubro
"Há buracos nas minhas roupas, há buracos no meu chapéu. Mas não há buracos em mim ― a não ser aqueles já esperados", soldado de A Glória de Um Covarde (1951), filme de John Huston.
Na foto, está segurando a bandeira dos EUA o jovem Henry Fleming (Audie Murphy). Idolatrado pela tropa após uma batalha, confessa ao colega ter fugido como um coelho assustado no primeiro embate. "Eu também, assim como metade dos homens", surpreende-o o colega. "Rapaz, esse negócio de confessar faz um bem. Digo, para a alma", conclui Fleming.
A Glória de Um Covarde, cujos bastidores está no livro Filme, de Lillian Ross (considerado base do new journalism), é inspirado na obra Emblema Rubro da Coragem, de Stephen Crane.
quarta-feira, 7 de outubro de 2009
segunda-feira, 5 de outubro de 2009
que delícia
Começa a aula de flamenco com 15 minutos de atraso. Mais uma japonesa na classe, magrinha, bermuda da Puma, pé menor que 35 (dá para ver que os sapatos sobram no calcanhar). Ela não conhece Mieko, caiu na escola por acaso, e as duas começam a falar japonês e dão risadas como a da mulher do Daigo de A Partida (o melhor filme do ano até agora). A professora, um mulherão pernudo que pisa forte no chão com sapatos vermelhos, veste a saia, prende o cabelo dourado com um elástico de flor e liga o som. É a voz rouca de um espanhol que, depois de algumas aulas, já começa a soar familiar, um parente ainda distante.
Então uma das alunas corta o silêncio, interrompendo o alongamento de pescoço.
― Eu queria levar esse homem para casa.
E a professora responde:
― Só você, Antonia.
Então uma das alunas corta o silêncio, interrompendo o alongamento de pescoço.
― Eu queria levar esse homem para casa.
E a professora responde:
― Só você, Antonia.
sexta-feira, 2 de outubro de 2009
samuca
Estava usando bigode, coisa de um mês pra cá. Cochilava no banco do carro com invejável imobilidade, como um passarinho deve dormir em Bonito. Cutuquei-o sem cerimônia, acorda, Samuca, acorda. Acordou e me abraçou forte, com sorriso de criança. Nas horas em que seu mau-humor me irritava muito e eu tinha vontade de ser malcriada, eu lembrava do sorriso de criança e pensava nem que quisesse, nem que quisesse podia ser má pessoa. Afinal de contas, ele é um Samuca, Samucas sempre são pessoas do mais fino trato. "Tá de bigode, hein?". Ontem Samuca me contou frustrado que, há semanas, assim que me deixou em casa e virou a esquina, sentiu alguma coisa espatifar no porta-malas. Era a cachaça que compramos em Guararema. Nós passamos quase 24 horas por dia durante 10 dias dentro do mesmo carro, desviando de bambuzal atrás de bambuzal. "Tão longe para voltar tudo amanhã? Não faz sentido", ele argumentava. Eu dizia não mesmo, não faz, mas a gente vai. Acho que ele me matou algumas vezes. Na última noite, nos demos ao luxo de comer quanto quiséssemos num bar carioca muito ruim, éramos um trio. Pedimos torresmo, tava queimado. Samuca olhou feio para o arroz piamontese e quando levou a primeira garfada de carne à boca, chiou: "Esse molho madeira...não podia ter vindo sem?". Ficamos os três rindo, não é possível que ele tá reclamando, todos os mal entendidos pulverizados, derretendo mais que chope vagabundo.
quinta-feira, 1 de outubro de 2009
perto do osso a carne é mais gostosa
sossegue coração
ainda não é agora
a confusão prossegue
sonhos a fora
calma calma
logo mais a gente goza
perto do osso
a carne é mais gostosa
*poema de Paulo Leminski, que ganhou uma linda mostra no Itaú Cultural, Ocupação Paulo Leminski: Vinte Anos em Outras Esferas, organizada pelo Pinduca. De hoje até 8/11
quinta-feira, 24 de setembro de 2009
100
― Não existem mais notas de R$ 1, você reparou?
― Não estão circulando muito mais, não, mas de vez em quando uma cai na sua mão.
― De jeito nenhum, ahn-ahn, nunca mais vi. Na minha, não. Cê tá mentindo, tá de provocação, cê também nunca mais viu uma verdinha...
No dia seguinte, uma nota de R$ 1 repousa na velha mesa de cabeceira. Abarrotada, rasgada, sem viço, mais leve que a pena do mais fino ganso, quase um papel vegetal. Yes, vou guardar e mostrar para os meus netos como eram as notas de R$ 1, vou enquadrar, é a minha nota! Essa aí na carteira traz mais sorte que US$ 1, que dólar que nada!
Pus na gavetinha.
Poucos dias depois, abro a porta do quarto e lá está ela de novo, na mesinha. Outra nota de R$ 1.
― Você achou outra!
E ontem aconteceu de novo.
― Três! Vou juntar várias, vou ser a maior colecionadora de notas de R$ 1, vou ficar rica! ― a piada acalmou os ânimos abalados por um juiz que não queria encerrar o embate Palmeiras x Cruzeiro.
Guardei as três uma em cima da outra e lembrei da frase que li esses dias, no blog da Noemi.
Que cara bacana é o meu pai!
quarta-feira, 23 de setembro de 2009
quebra-nozes
Quebrei a geleia, espatifou-se. Olha só o que eu trouxe! Tinha comprado também um saquinho de pão português. Geleia de morango com champanhe, que cuidadosamente escolhi depois de uns 10 minutos examinando a estante do mercado. Laranja, gengibre, marmelo, sítio do picapau amarelo. "Não se preocupe, setembro anda mesmo parado, tudo emperrado, em outubro melhora", eu disse, e imediatamente o pote escorregou da mão. Não foi um tombo escandaloso, foi até elegante, barulhinho contido. Agachei. É um pote de geleia de morango que quebrou ou um coração gelatinoso em cacos? "Agora já era", alguém avisa. Não, ainda dá, e separo a parte que ficou de costas para o chão depois da queda, brilhante como uma goiabada cascão de colher de Miguel Pereira. Num copinho de plástico está o que sobrou da geleia inglesa de morango com champanhe. Eu a experimentei em segredo quando fui ao banheiro lavar as mãos mas, com receio de me machucar, não consegui sentir prazer, cuspi. Vinte minutos depois, senti um caco na língua. Tudo é tão previsível como o céu no primeiro dia de primavera na cidade onde eu nasci.
sexta-feira, 18 de setembro de 2009
drum'n'bass
"Eu ficava encantada com as manhãs, gostaria mesmo que todas as coisas fossem apenas manhã. Era como se, purificado pelo forte sono dos homens, tudo estivesse nascendo novamente. Vinha uma respiração poderosa, inundava o solo, janelas iam se abrindo, a cozinheira varria o ladrilho, junto à porta dos fundos. Então, o que havia de ruim estaria perdoado, recomeçaramos ainda uma vez, pode ser que finalmente acertemos. Em quê? Ah, isso não interessa, é necessário somente que você marche, porque há um caminho a seguir, levando não sei aonde. Acontece que me encontro nele, não pedi para vir, mas aqui estou. A manhã despeja um novo alento, sinto menos funda a tristeza da terra.
As árvores são diáfanas; um manto de névoa cobre o mundo, cada passarinho é uma pequena esperança. Um homem está dormindo. Acabaram-se os sonhos maus, a essa hora ele está maravilhosamente dormindo. Sem perceber, incorpora ao organismo uma substância vital, que lhe dará ânimo na penosa travessia. Os elementos trabalhavam para ele, se harmonizam, o homem acorda. Estira os braços, boceja, uma figura ainda está dançando. O dia é um estupendo poço cheio de flores imprevistas. Uma cor-de-rosa e leve, outra branca; mas surgirão cravos roxos, sarcásticos, acolchoados em fel. O homem não pode prevê-las: levanta-se e começa a viver."
Trecho de A Busca, livro que Maria Julieta Drummond de Andrade, filha do poeta, escreveu aos 17 anos. Teimava em não reeditá-lo. "(...) sentia pudor ao recordar o tom romântico, o transbordamento emocional, a adjetivação exaltada, tão reveladores das dificuldades com que enfrentei a aventura de crescer". Mas aí um de seus filhos pediu para ler o livro. "Emprestei-lhe, com receio, um velho exemplar, que fora dos meus avós. Na manhã seguinte, ele me confessou, comovido: 'Mãe, A Busca sou eu'".
quinta-feira, 17 de setembro de 2009
esta maçã está verde.
Furtei do blog da Mi, enviei para pessoas queridas (como às vezes faço quando um poema faz cócegas), e aconteceu uma coisa rara: quase que imediatamente todas me responderam, agradecidas. E, em pequenas homenagens que nem imaginam como foram monstruosamente importantes, reproduziram essa quase oração desta Célia-bromélia-amarela-bolo-de-fubá.
Que more aqui também.
"Um dia a gente acorda e percebe que mudou, depois de levar muita porrada e ter os ossos moídos junto aos sonhos.
Um dia a gente acorda e percebe que nem toda mudança precisa ser amarga,
embora o que nos mova quase sempre seja a dor, esta parceira do imprevisto.
Um dia a gente acorda e descobre do lado do avesso um espaço zen, uma espécie de paz interior que nos adula e acaricia,
como se a mãe voltasse a nos pegar no colo.
Neste dia, inexplicavelmente,
decidimos que o melhor a fazer
numa manhã é plantar um girassol
só para ver, dali a um tempo,
sem angústia, dilema ou rejeição,
que a vida dança a dança dos dervixes…
e que a nossa entrega à vida
é um ritual sem hoje nem amanhã.
A felicidade pode ser o ato de movimentar -se
como os girassóis, para lá e para cá,
só pra ver onde começa e onde termina o dia…
sem pressa.
Os acontecimentos não nos pertencem."
(Quase uma oração, de Célia Musilli)
Foto: Marcos Mendes
terça-feira, 15 de setembro de 2009
setembrochove
A moça gente fina da loja atrasou. "Você tem outra coisa para fazer na 25 de Março? Vai demorar meia hora para separar as travessas". Sempre se arranja alguma coisa para fazer na rua 25 de Março. Ando. Eles tem cheese bread até no Mc Donald's, escreveu a Ruth Reichl, e o pão-de-queijo deles, descobri, não vai mal. O homem tentando vender a máquina papa-bolinhas-de-roupa me fez rir com som, que eu não sei se saiu de mim ou do vento que levantava o lenço improvisado circundando a camisa improvisada. Andar na 25 de Março cheia é como se movimentar no fundo do mar – só que em vez de oxigênio nas costas, você carrega uma bolsinha avelhentada na lateral. Não há precisão, somente um vidro embaçado, peixes com olhos nas costas, e sempre um quase. Os policiais e os vendedores de rua parecem sapatear em comunhão: antes de um levantar o salto, pá! O outro já completa: papapá. Os 30 minutos previstos pela moça da loja viraram 60 e, atrasada para um compromisso, preferi ficar a pé a ter de enfrentar o trânsito do Jabaquara, onde obrigatoriamente teria de despachar os produtos. "Você leva para mim, Quiel? Vou de metrô". Na estação S. Bento, a placa me diz que para chegar até a Barra Funda devo seguir sentido Jabaquara.
Quantos caminhos, José, levam ao mesmo lugar? (é o mesmo lugar?).
segunda-feira, 14 de setembro de 2009
sexta-feira, 11 de setembro de 2009
o livro de zenóbia
Eu talvez seja a mulher pelada com o anel no anelar da mão direita bebendo café contra o vento. Montanhas, o pedaço de uma caminhonete azul e um sorriso encoberto. Sinto saudade do vento batendo forte no rosto, do cabelo embaraçado no fim do dia, do bambual na estrada que existe só para mostrar que as cidades podem mudar, mas alguma coisa permanece. Na hora do almoço, enquanto folheio O Livro de Zenóbia, penso na avó que eu também adotei e em como categoricamente ela sempre me presenteava com balas de leite enroladas em papel vermelho. Sinto saudade do cheiro daquele quarto que tinha na parede uma foto minha na pracinha com expressão invocada e uma mosca no chapéu branco. Mas é uma saudade com brisa, fresca como uma mordida na maçã. Sou a mulher pelada com o anel no anelar da mão direita: noiva de mim.
Foto: Ryan McGinley
quinta-feira, 10 de setembro de 2009
breve ensaio sobre o vale
A gente sempre volta meio fora do ar de uma viagem. Ainda mais quando é para o mato. Como disse ontem o Waldir, "seu pai é da roça, minha filha, se não for da roça daqui, é da roça de fora. Da roça, todo mundo é". Foram nove dias percorrendo o bonito Vale do Paraíba. Aqui, um gole no licor de leite. Mais historietas depois.
Cachoeira do sertão da Bocaina
Contando carneirinhos
Menino José, que todo dia sobe o morro com leite morno e espera o caminhão do laticínio passar
Os peixes de Guararema
Família Buscapé do Bairro dos Macacos (definição do Roque)
Mercado central de São Luiz do Paraitinga
Bambual. De leste a oeste, bambu, bambu
Cachoeira do sertão da Bocaina
Contando carneirinhos
Menino José, que todo dia sobe o morro com leite morno e espera o caminhão do laticínio passar
Os peixes de Guararema
Família Buscapé do Bairro dos Macacos (definição do Roque)
Mercado central de São Luiz do Paraitinga
Bambual. De leste a oeste, bambu, bambu
quarta-feira, 26 de agosto de 2009
muito prazer, frango
Pequenas coisas que acalmam. Ouvir minha mãe descrevendo como eram vistosas as galinhas de uma fazenda orgânica. Mas eram sedosas, cheias de frescor, coloridas, eram bonitas demais, ela repetia, abrindo um sorriso largo como uma melancia cortada ao meio. E foi uma doce coincidência: quando entrevistei o escritor e fotógrafo Tim Porter, autor de Organic Marin, livro sobre fazendeiros da região considerada pioneira na produção de comida orgânica nos EUA, ele contou a seguinte história. "No fim do projeto, eu fui visitar um rancho de frangos orgânicos. Ficava localizado numa colina ao norte do condado de Marin. A dona e eu andamos até o topo da colina onde havia uma centena deles, em um viveiro. Eu tirei algumas fotos, mas queria chegar mais perto. 'Espera', ela disse, seu nome era Liz Cunningham, 'eles virão para cá logo, eles são muito curiosos'. Eu nunca achei que frangos fossem curiosos, e nem que possuíssem qualquer tipo de capacidade intelectual, mas Liz estava certa. Em minutos, os frangos nos cercaram, chegando bem perto e ocasionalmente bicando nossos pés (graças a Deus, pensei, não estou usando sandálias). Mesmo assim, eu ainda não estava satisfeito com as fotos e percebi que o que estava ruim era o ângulo. Eu sou muito alto, os frangos são muito baixos. Deitei no chão. Os frangos começaram a andar em cima de mim, dos meus pés até minha cabeça. Desta posição, fiz algumas das fotos que as pessoas mais amam. A lição que aprendi: bons fotógrafos se tornam ainda melhores quando enxergam tudo a partir do mesmo ponto de vista do objeto – mesmo se o objeto for um frango."
Foto: Tim Porter
terça-feira, 25 de agosto de 2009
ana esmeralda
A escola de flamenco Ana Esmeralda parece um labirinto, um porão, tem cheiro de mofo, pinta de decadente. As salas são conjugadas, o que faz com que você tenha de interromper uma aula para poder chegar até a porta e ir embora. Numa das estantes, estavam 5 garrafas de vinho tinto vazias. "Qué es eso?", pergunta Ana Esmeralda, apontando as botellas. "É, nós tomamos na festa, no fim de semana", responde uma professora. As duas dão risada. Ana Esmeralda é espanhola e ficou no Brasil porque se apaixonou por um homem. Estrelou o filme Quem Matou Anabela, achei foto no arquivo do jornal. Os sapatos para alunos novatos estão maltratadinhos, gastos. Cabeça erguida, ombro pra baixo, olha a cabeça, olha a cabeça. "Não é pra virar o corpo, não precisa exagerar nos movimentos. É tudo muito contido". É pra pisar com força? Ela pensa um segundo e nega. "Força, não. Com firmeza, com jeito. Mas forte". No espelho, meus ombros até que pareceram bonitos. Engraçada a minha cara séria. Não pude deixar de lembrar do dia em que a Poppy, de Simplesmente Feliz, faz uma aula de flamenco e a professora pisa no chão e grita: "My space! Pisem e repitam comigo: my space!". A escola de flamenco Ana Esmeralda é provavelmente a mais pé sujo de São Paulo. Mas tem a alma galvanizadora que as lustrosas academias vilolimpicanas jamais irão entender. É pra lá que eu vou.
Ilustração: Brian M. Viveros, dica do 100 mililitros
sexta-feira, 21 de agosto de 2009
olha
Andando hoje no velho Dyd vi duas vezes o mesmo homem carregando um cachorrão de pelúcia, na Tietê e na Itu. E depois, quase um minuto em cima do outro, vi um homem sentado em um dos pontos de ônibus da Av. Sumaré agarrado a um pônei pink de pelúcia, agarrado mesmo, parecia criança. Fazia o tipo de frio que pede uma xícara pequena de café com leite quente (mas eu não quero queimar a língua). À tarde, uma amiga mandou o link com uma foto de um homem vestido de tartaruga e o comentário: "Olha! Isso me fez sorrir". Lembrei do e-mail de outra amiga, aquela que tem a clareza de dia de sol em fiorde. "A criança, quando fica doente, não fica se perguntando o que causou aquilo, só sente. Sente medo, dor e chora. Expressa o que está sentindo e logo depois está feliz de novo, rindo e correndo", escreveu. Em vez de ficar em pé, muito natural, eu só conseguia ver tudo de cabeça para baixo, como se em cambalhota em câmera lenta. Por que é que a gente não sai sempre com um pelúcia embaixo do braço? Todo mundo tem o seu. Na cama, na estante ou no baú velhote.
Ilustração: Ann Tarantino
segunda-feira, 17 de agosto de 2009
teto
se assim for, eu digo se assim for —
tu do meu coração, manda-me um recado;
para que possa ir até ele, e tomar as suas mãos,
dizendo, Aceita toda a felicidade de mim.
E então voltarei o rosto, e ouvirei um pássaro
cantar terrivelmente longe nas terras perdidas.
Trecho de A Função do Amor é Fabricar Desconhecimento, no livrodepoemas, de e.e.cummings
*Foto de Cuauhtemoc Suarez
quarta-feira, 12 de agosto de 2009
foz do iguaçu no céu
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