sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

2009


Se 2009 fosse uma cor seria preto, vermelho e branco, nessa ordem e fora de ordem (porque não há)
Se fosse um animal seria um labradoodle
Se fosse um carro seria um Smart esquisistiloso, como a sapatilha da King55
a verdade é que eu também adoro ser esquisita
"tenho uma tendência ao otimismo", uma pessoa escreveu, e essa frase ficou na minha cabeça
Se 2009 fosse um sapato de flamenco seria o Carmen
se fosse um dia, seria hoje
Se fosse uma música, uma só música, talvez fosse Cira, Regina e Nana, do Lucas Santtana
mas se fosse todas seria qualquer uma da francesa Amelie Les Crayons ou da curaçolenha Izaline Calister
se 2009 fosse uma prova, ele seria daquelas interdisciplinares, em que se aprende ao mesmo tempo álgebra, língua portuguesa e biologia
se 2009 fosse um móvel, seria a mesinha roxa feita com latas de coca-cola pelos alunos da Lourenço Castanho
se fosse uma caipirinha, seria a de amora com carambola do Rabo de Peixe, é claro
uma coisa banal muito legal: achar o cartão de débito dele dobrado no lixo na Benedito Calixto, desdobrar o cartão e depois conseguir passar o cartão no Genésio, que vive normalmente com a cicatriz, bem e saudável, obrigado.
A praia mais bonita é Kenepa Grandi, em Curaçao
Se esse ano fosse um sentimento, seria aquele que eu experimentei com a família Buscapé, na Serra da Bocaina
ou quando entrei na casa de peroba verde e branca, em Cianorte.
Se 2009 fosse um choro, seria o de sexta-feira passada, no carro, em Moema, um choro cheio de tristeza velha e felicidade nova, por isso eu o compartilhei com pessoas que eu amo muito
se esse ano fosse um país, ele seria o meu, aquele do qual só eu faço parte, em que só eu pago os impostos, aquele que somente eu desfruto em dias de muito sol, boiando na piscina com o corpo gelado da água voltando a ficar quente
em 2009 eu fiz uma coisa deliciosa. eu me surpreendi. eu tatuei o infinito de Guimarães Rosa no pulso e vou passar a virada com os cachos dourados
se 2009 fosse uma profissão, seria a de equilibrista
termino 2009 perto de um sonho que achei que realizaria dali a uns 5 anos
você vê, o universo realmente escuta
é um lugar, uma rua larga, com flores cheirosas e uma escada firme de madeira na entrada
e também estou perto, que maravilha, de muitos outros lugares que serão meus, tantos que eu nem sei quais.
talvez eu não consiga listar, com a precisão do ano passado, o melhor show malucaço, o melhor beijo, o melhor banho de chuva
pois nem o momento que deveria ser o mais triste foi mesmo: eu gritei eu te amo entrando na sala de cirurgia, é verdade
ao meu lado, nós duas na maca e de touquinha, tinha uma japonesa velhinha que não queria responder às perguntas básicas da médica porque estava sem dentadura, e a médica delicadamente entendeu e virou-se para trás
2009 é aquele prato que você comeu e não sabe dizer o que tem ali, mas o gosto é tão bom

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

sacolacoralina


Dei para minha terapeuta o último disco da Mercedes Sosa; o patê de berinjela da Lucinha; minha primeira conserva, feita com pimenta-de-cheiro doce do Maranhão; um chaveiro de sapato que ganhei de uma garota turca quando tinha 11 anos; o livro de receitas da Cora Coralina. Juntei tudo assim, de manhã, num impulso. Aí, depois de muita e boa chuva, fiquei pensando: Alguém precisa de mais que um bom livro e boa música, comida gostosa de dar gula, uma pitada de pimenta e um sapato? Foi uma quitadeira mineira que me disse para ter sempre sapatinhos por perto, eles nos ajudam a manter o pé no mundo.

Mas tem mais uma coisa, sim. A gente também precisa de uma sacola para pôr tudo isso.

Quer ser minha sacola?

*desenho em couro feito por Célia Medeiros de Araujo, atualmente em exposição na Galeria Sumé, em Cianorte

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

os teus regalos


Em quatro dias, quebrei: um pote para patê comprado pela família para uma ocasião especial, o frasco do meu perfume muito novo (não vi que a caixinha estava aberta embaixo, joguei e vupt, perfeitamente em cacos no chão do banheiro). Perdi: meus velhos óculos de grau, minha carteira de trabalho. Dá um certo nervoso. Parece que a qualquer momento posso esbarrar num vaso da Dinastia Ming ou não achar a carteira na bolsa. Mas então ele me tranquiliza do outro lado da linha dizendo que essas coisas acontecem mesmo quando estamos mudando. É totalmente normal, ele diz. E eu lembro da Juno dizendo você é simplesmente a pessoa mais legal do mundo sem ter de fazer o menor esforço.

foto: meu amor

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

de amor


Um antigo amor me liga para parabenizar o primo que foi para a Formula 1, depois de anos cantando pneus. Olá, compadre, me ligou? Falou do Lucas, contou da mãe, que graças a Deus operou e sarou, da irmã agora carioca, do reveillon que vai passar com a namorada no Sri Lanka. Eu falei do novo desafio que apareceu e eu agarrei e contei sem pormenores que o meu fim de semana foi muito especial, que eu estive cercada de mulheres maravilhosas. Muitas horas depois liga, pergunta se tenho 2 minutos e diz: "Eu tô te ligando de novo porque senti uma coisa. Senti que você vai casar com ele. E me veio uma felicidade muito grande por você, e queria te dizer isso". Só eu que senti essa brisa boa? Amor vem de amor, já dizia o Rosa.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

o bebê quis sair


Uma mulher entrou em trabalho de parto em uma zona de alagamento. Foi resgatada por um helicóptero, que a levou até o Hospital Santa Joana. Eu estive no Hospital Santa Joana este ano, e encontrei o Silva na porta. Silva foi segurança no colégio onde eu estudei, agora recepciona mulheres gordas (como se diz lá na Igreja de Nosso Senhor do Bonfim quando a mulher emprenha). Silva está vivo em minha lousa de lembranças tanto quanto o azul do portão de ferro. Quebrou vários galhos. Deixava a gente sair pra comprar a paçoca do seu João e nos entretinha com histórias enquanto obrigatoriamente tínhamos de esperar a mãe professora em dias de plantão. Um dia, a gente viu o Silva sem o traje formal, vestindo bermuda e tênis de surfista, e achou super engraçado. Imagina o que a mulher que entrou no helicóptero sentiu quando teve a intrépida certeza de que o filho decidira nascer naquele exato instante? Quando eu fui ao Santa Joana, eu também estava grávida (mas não de um bebê, grávida de mim). Estar grávida em um hospital, afinal de contas, é quase um pleonasmo (numa reprodução esgarçada de Daniel Dantas em Histórias de Amor Só Duram 90 Minutos).

Foto: Paulo Whitaker/Reuters

sábado, 5 de dezembro de 2009

flamingoframboesa



grave as mágoas na areia, as alegrias na pedra

Essa coisa bonita veio daqui.

Foto: Alex Silva/AE

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

eu e meu fusca


Deu uma zica com carro lá em casa, nada que boas risadas não resolvam. Refleti que talvez estivesse na hora de comprar um. Descartei, de cara, ter uma dívida que sanaria mês a mês em aviltantes prestações. Deixei a ideia fermentando. Um dia, um ex-colega de redação contou que tinha comprado um fusca prateado. Inteiraço, peças originais, lindo o bichinho. Caro, claro. "Mas você acha outros ótimos pela metade do preço", me alertaram. Ora, um fusca está dentro do orçamento. Começou a saga: não tinha um que me escapava o olhar nas ruas, verde, azul, meio verde meio azul, marrom, vi de tudo e desejei todos. Espalhei para os taxistas e os motoristas do tráfego do jornal que estava querendo um. Ouvi que deveria parcelar um carro novo da marca tal, que fusca é para quem gosta de ficar consertando carro, que fusca roda 200 km com R$ 20 de gasolina. Até os desestímulos me deixavam com mais vontade de ter um. Depois de meses, eu encontrei. Um taxista me ligou dizendo que o sogro talvez topasse vender o seu. Fusca branquinho, único dono e seu nome é Vicente e é um doce de pessoa. Mas aí ontem um dos motoristas do jornal acenou pra mim lá de longe e disse: "Eu achei um fusca tão lindo, mas tão lindo, é verde escuro e fica numa esquina da Casa Verde. Toda vez que eu passo ali eu lembro que você queria um. Você não achou ainda, achou?". Não achei, eu respondi, e pensei que movimentar às vezes é muito melhor que achar.

Foto do flickr da manô