sábado, 27 de outubro de 2012

habitual


É engraçado, o hábito. Trouxe um café do aeroporto de Bogotá, café Rausch, mezcla de notas cítricas con leve gusto de mandarina. Excelso Supremo Especial, produto com a assinatura dos chefs Jorge y Mark Rausch. Uma beleza, o café. Cheiro, maravilhoso; na boca, maciozinho, redondinho, suavemente cítrico e... desagradável. Veja, o café era ótimo, mas não era o nosso café de todo dia, o café forte, rústico, amargo e até meio sujo que nos recepciona toda manhã, garantindo faça chuva ou faça sol, haja correria ou haja contemplação, que vai dar tudo certo e amanhã estarei esperando vocês de novo. Quente e igual. O legal é que hábito a gente pode mudar, tudo é uma questão de costume, desde cedo a gente aprende. Parecia impossível se acostumar com a nova classe, parecia impossível se acostumar com a separação dos pais, o fim do namoro, o novo idioma. Mas a gente escolhe e, se não tem escolha, se adapta. Só que no caso do café não houve trégua, não. "Estranho", disse ele; "Estranho", disse a mãe. Esse café sai, decretei. Botei de volta no pote o nosso café bandidão. Do colombiano restou a caixa, não tive coragem de jogar fora, pois é chiquérrima, e coleciono coisas como caixas de cafés exóticos e lâmpadas mágicas do Oriente Médio. A gente só coleciona o que não é natural nosso, que linda a embalagem desse leite americano, que lindo esse pote de biscoito suíço! Já viu alguém guardar caixa de sabonete Dove, palha de milho de pamonha? O que é diferente a gente quer guardar, o que é nosso não precisa, semana que vem tem de novo. Só o hábito liberta.

foto: café expresso que eu tomei quase até o fim (o que não é nada habitual). No restaurante Fabbrica, mesmo metido uma boa surpresa em Williamsburg, no Brooklyn, Nova York.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

danse serpentine



Para minha irmã Paula Desgualdo, em homenagem aos seus coloridos e silenciosos rodopios, que tanto têm me inspirado a rodar os meus.


(via Facebook da sobrinha Mariana Medeiros Seixas)

domingo, 21 de outubro de 2012

para um domingo quase chuvoso



Poucas músicas no mundo você ama à primeira ouvida e sempre com a mesma dor e paixão. Essa é uma delas. Cat Power, the Greatest.

domingo, 7 de outubro de 2012

fubá das mulheres


Hoje aconteceu uma coisa maravilhosa. Vovó me pediu a receita de um BOLO. Trata-se do bolo de fubá da Neide Rigo. Terceira vez que fiz, dessa vez acrescentando uma calda de goiabada e um pouquinho de queijo parmesão ralado por cima de tudo.
Comecei a trabalhar na mesa para as tias e primas logo cedo, depois da votação.
Quer dizer, primeiro botei ordem na casa.
Veja, não existe bolo melhor que o da vovó. Emprestando uma expressão dele, "falo sério". Pergunte para qualquer um dos meus 19 primos Laloni se eles não carregaram a mesma prestigiosa alcunha na infância, "neto da vovó Teresinha, do bolo branco".
Quando tinha festa na escola os outros até podiam levar os bolos de suas avós, mas a maior expectativa sempre foi por aquele bolo da vovó Teresinha, bolo fofinho recheado de doce de leite e coberto por uma caprichada camada de uma espécie de marshmallow. Depois que fiz uma reportagem sobre suspiro e entrevistei minha avó, descobri que a cobertura tinha sobrenome aristocrático - merengue italiano. Depois que sujei o rosto de suspiro, descobri que a cobertura é aristocrática, geniosa e não faz voo sem escalas.

Uma vez, na escola, nalgum dia de 1995 - essa foi engraçada - lembro de estar diante de uma grande mesa cheia de bolos. Deviam ser bolos das avós. Eu estava na frente do bolo branco, que se não me falha a memória ainda por cima levava morangos. Seu vizinho era um bolo de fubá simples. O Rafinha, provavelmente neto da autora do bolo de fubá simples, disse alto, como se pra ele mesmo: "Só porque um bolo é mais bonito não significa que ele seja mais gostoso". É verdade, Rafinha. Mas...não desta vez, my friend.

Já fiz o merengue italiano mais de dez vezes, e posso dizer que acertei uma (ainda assim não ficou perfeito). Nesse dia, a menina deu uma colherada na tigela e fez aquela cara de felicidade espantada, de quando se reconhece um sabor distante muito querido. "É o creme que minha avó fazia pra mim!". A frase me matou, aí eu quis ouvir isso sempre, quis que ela se lembrasse da avó sempre, só que o suspiro deu certo essa vez e não deu mais do mesmo jeito.
Aí no domingo passado comprei duas dúzias de ovos e fiquei das 18h às 22h na cozinha batendo clara com calda de açúcar, lendo livros de receita e todos os resultados da busca "o segredo do merengue italiano". Foi um vídeo em espanhol, que mostrava o passo a passo da calda sem cortes, que me levantou a pestana: é isso! Entendi o suspiro (o que não significa que saberei fazê-lo sem mais errar; entendimento mútuo é apenas o primeiro passo para uma relação estreitar).
Hoje, em nosso encontro, a tia Cristiane disse que fez o doce de morango da vovó e achou tão maldito o ponto do merengue que decretou: "Sempre deixei o creme branco pra lá na tigela, agora vou comer todo, sempre, só de raiva". A gente se olhou com cumplicidade. A vovó não entendendo muito bem o porquê, pra ela é tudo muito simples.

Mas eu falava do fubá.
A vovó disse umas três vezes que o bolo era "maravilhoso" (e a tia Célia, que nem é muito chegada em doces repetidos, comeu mais de uma fatia; a tia Carol sentenciou "não dá pra comer um só").
E quando Teresinha pediu a receita, foi quase como a redenção do bolo de fubá do Rafinha.
Me senti tão honrada que fiquei sem saber o que responder, só abracei a vó forte, e disse: mas é claro! E depois, recuperada do susto: vó, se um dia eu preparar bolos que se parecem de longe com os que você prepara, já estarei satisfeita. E agora aqui em casa, a louça lavada, o garoto ouvindo The Thrill is Gone e as malas vazias prestes a serem preenchidas, eu me sinto a neta mais feliz do mundo.

Mas vó, sério: foi sorte (com uma colher de sopa de obsessão e mil xícaras de amor).

obs. Adiós, bolinhos, volto pra vocês em breve! Vou presenteá-los com uma espátula de verdade
obs. 2. Parabéns, Manô!
obs. 3. Vai, Haddad!

foto: Berinjota 



quinta-feira, 4 de outubro de 2012

sem pretensões


A máquina de costura da vida cruzando os fios. A gente só acha que as coisas estão se movimentando quando emitem sons, mas neste mês de setembro eu aprendi que o silêncio talvez seja a mais barulhenta de todas as manifestações.

Na foto, trabalhador da Cardeal Arcoverde na primeira segunda de agosto.