segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

vidraça circular


No meio de um apuro, quando mil cavalos empinam dentro de você e a rédea está frouxa, meu pai me mandou a mensagem mais bonita do ano. Sorri e me recompus com a mesma velocidade com que o ceramista japonês Shugo Izumi transforma prato em vaso. Alinhei os cavalos, está tudo bem. Hoje, achei que era a minha vez de retribuir e enviei: "pai, você é incrível, não se esqueça das palavras rosa". Na pressa, esqueci do artigo. Rosa é o nome da astróloga. Ele não entendeu. "Palavras rosa?". E eu gostei tanto do erro que respondi: isso mesmo, palavras rosas, aquelas das quais a gente deveria se lembrar todos os dias. Amém.

Foto: Ryan McGinley

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

vazei


Resolvi colecionar vasos, decisão que nem minha foi, quando vi já estava na terceira sacola. Foi decisão minha. Mas pode mudar, aviso. E o que a gente vai fazer com tantos?, ele pergunta. E se encher de bichinho? Eu não sei, mas eu vou. Pode ser que deixe os vasos no armário, só para de vez em quando abri-lo e lembrar. Como a mulher que abre a janela na manhã em que decidiu usar a blusa de gola de renda. Talvez eu encha todos os vasos de flores e os exiba em apenas uma estante que eu nem tenho ainda, formigueiro de vasos pra dar coceira. Mas imagina uma estante toda fodida cheia de flor de cerejeira? Eu também posso presentear as amigas com vasos: esse é a cara dessa, esse é aquela ali escrita. Que vaso sou eu? Periga jogar sementes neles todos, um por um, distraída e certeira como a borboleta azul que apareceu debaixo da minha cadeira no restaurante da Serra da Cantareira. Tudo o que eu tenho agora são vasos.

Foto de Verônica Huang para o blog da Talita Nozomi

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

na boca da bocaina


Ela se sente como um bebê, bebês carregam esse aperto no peito ― duro como couro de jacaré, pontiagudo como a faca do mais obstinado chef ― antes de nascer. O ano novo foi água, a cachoeira transbordava água da chuva, pelas costas descia o suor enquanto os dois subiam a ladeira dos Macacos com as camisetas na cabeça como uma guirlanda da paz. A noite da virada, para ela, foi de paz. Mas e esse peito que continua, ora sim ora não, com o peso de uma mala cheia de livros? Diz que bebê sente isso antes de nascer, o médico garantiu e o passarinho Tiziu.