quinta-feira, 26 de abril de 2012

comprar sabonete de lavanda tão cheiroso


Comprar sabonete de lavanda tão cheiroso me faz feliz, comer pão de queijo frio o mais gostoso, comprado há horas e guardado enrolado em guardanapo na bolsa. Que comida ruim a desse café. Óleo de peixe custa caro. Identificar que tais perguntas me incomodam, ligar para a amiga e perguntar por que você acha que me incomoda? E querer marcar terapia. E querer que estenda-se a ponte que leva Abril a Maio, só para começar a fazer aula de dança. E também para usar muito o coturno e o casaco de couro, presente carinhoso. Usar mais os descontos em restaurantes, sem vergonha e com orgulho de dizer ao garçom: vamos lá, pode abrir essa meia garrafa de vinho, não não vou levar de brinde como todo mundo. Vou beber aqui. Ler mais Daniel Lima, comer mais pastel recheado de arroz e feijão com a irmã, conter a vontade de cortar o cabelo, que está bonito, e aprender a usar a palavra alegoria. E relaxar mais, sempre.



foto: Jota

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Shoop shoop



Música de amor presente

take a toke



A música mais romântica da minha infância tem a seguinte frase:
"i got the best love you ever smoked"


Bom fim de semana 2!




o bisavô deseja: bom fim de semana!

Ilustração: Talita Nozomi 

quarta-feira, 18 de abril de 2012

suspiros de abril



O doce reina solitário na família, não há outro capaz de superá-lo. Musses, abóbora, bolos, todos ótimos, acontece que o doce de morango é o céu. Os tios pegam a tigelinha e, como formigas atrás de açúcar, se posicionam em um lugar próximo à travessa antes de a mãe decretar "podem servir a sobremesa". O negócio é tão sério que Teresinha não libera o doce sem a presença dos tios. Na hora de se servir, todos os integrantes da família sabem o segredo: mergulhar a colher com firmeza nas nuvens brancas, de modo que o doce de leite da camada mais profunda seja raptado em abundância. Como escreveu o Mário Bortolotto hoje em seu Face a respeito de um risoli, posso morrer depois de uma colherada dessas. Sério, estaria pronta caso a morte chegasse, com os queixos melados de suspiro e um delicioso hálito de leite. Bom, pensando em uma sobremesa que a amiga que tá sem comer leite pudesse saborear, cheguei ao suspiro (ok, tem doce de leite, mas como fica só no fundão, dá pra passar sem ele). Só que fazer um suspiro pela primeira vez numa terça à noite sem um plano B tendo as amigas como cobaias, e logo o mais difícil deles, o italiano, não parecia sensato. Mas o dia corria tranquilo dentro de mim. "Vó, vou fazer seu suspiro. Me fale, vamos lá, como eu começo?". Todo mundo sabe que vó nunca começa pelo começo, é sempre pelo meio, adoráveis avós, e de repente aparece o fim, aí no fim...ah, o começo. Do nosso jeito nos entendemos e desligamos o telefone. De cara já estranhei por não ter me intimidado com a calda de açúcar, que já errei, em outros doces, pelo menos umas cinco vezes. Que satisfação foi ver pela primeira vez a clara, aquela coisa babosa e incolor, se transformando em nuvem! Acertei o ponto da calda e incorporei-a direitinho às claras. Quando enchi uma colher e senti o gosto do suspiro da vovó, exultei. Senti uma alegria genuína. "Porra, foi tão bom, ou quase, quanto encontrar o Bob Dylan em Copacabana!", eu disse a ele, que riu incrédulo. Entenda, eu expliquei, para mim o doce de morango nascia pronto, acabo de desvendar o mais doce mistério da minha infância. Tudo correu tão bem que a sobremesa já estava na geladeira e a louça toda praticamente lavada quando a primeira amiga chegou. Ao telefone, gritando de satisfação com vovó, ouvi: "É difícil fazer esse suspiro. Se errar a calda, para menos ou para mais, não sai. Você leva jeito". Tô me achando, só por hoje.




terça-feira, 17 de abril de 2012

bob dylan em copacabana ou what the hell



Meu primeiro disco do Bob Dylan foi o 33.  Together Through Life, o trigésimo terceiro álbum em estúdio. Acho que escutei pela primeira vez no carro, indo pra Ibiúna, daquele jeito desencanado, um pé em cima do porta-luvas e as lojas de móveis rústicos e os campos de brócolis como toile de fond (para usar uma expressão que aprendi hoje em francês).  Beyond Here Lies Nothin começa, "tãn-tãn-tanãnãnãnãnã", caramba, não podia haver lugar melhor para ouvir Beyond Here Lies Nothin pela primeira vez. Passei muitos dias saboreando cada música do CD, umas mais gulosamente que outras, e assim tardiamente descobri Bob Dylan. Da mesma maneira que demorei para descobrir outros músicos que me tocaram fundo, como Teresa Salgueiro e os malucos do Pixies e do Radiohead. Aí no último domingo a gente nem tinha começado a digerir o habitual espaguete com funghi e camarões da La Trattoria quando, na avenida Nossa Senhora de Copacabana, esbarramos no Dylan. Nós encontramos Bob Dylan andando em Copacabana. Um pouco apressado, vestido de maneira bastante inconveniente para o calor de 30 graus, o Dylan. Eu tinha falado antes para ele, "acho que reconheceria o Dylan pelas botas", e foi assim mesmo, olhei para o outro lado da calçada e vi um sujeito de gorro com uma cabeça meio grande e a franja meio palha saindo para fora, instintivamente passei para os pés e vi aquelas botas pretas de cowboy. É claro que não cogitei que fosse o cara, mas não podia deixar de comentar: "meu, aquele cara ali, de gorro, parece o Dylan". O que aconteceu depois e depois e depois deve ter durado uns 3 minutos no total, mas deu tempo de ser xingada de "paparazzi"(assim, no plural) por Bob Dylan, de ouvir alguém recomendar ao Dylan um prato de massa na velha cantina da Av. Atlântica, de perguntar ao Dylan "enjoying Rio?" e ouvir um "I like it" como resposta, e de abraçar o Dylan para fotinho durante uns segundos que pareciam longos minutos como se entrada, prato principal e sobremesa, enquanto o fotógrafo tentava arrumar o foco. Beyond here, nothin.


foto: Jotabê Medeiros

sexta-feira, 6 de abril de 2012

galinha e bacalhau

galinha caipira do Engenho D'Ouro
Ao telefone com o Paulo, do alambique Engenho D'Ouro, onde nós comemos a melhor galinha caipira de mi vida (ele é do Cariri, não vale, jurado café com leite).
- O número do nosso restaurante é nove dois, vinte dois...
Porque nem sempre o caminho mais fácil é o mais saboroso.

Porque eu e ele, a gente é diferente como lápis e caneta, mas se você olha os nossos papéis a gente desenhou a mesma coisa.

E é por isso que hoje seremos bravos e iremos até a Chácara Santo Antônio tentar comer punhetinha de bacalhau nessa sexta-feira santa de lua cheíssima.
Se tudo der errado, sempre existe o Genas, ué!

segunda-feira, 2 de abril de 2012

A vida sabe


Escrito por ela, Pó, minha irmã, cúmplice-mor

A vida sabe

Por Paula Desgualdo


"Maria põe o barco n’água, põe o barco n’água para navegar"


(Os Sete Unidos)


Chegou a Paraty quase junto comigo uma notícia dessas que apequenam todo o resto, bambeiam as pernas e amedrontam o coração. A menina dos cabelos castanhos sentiu medo durante a noite escura. Vazio de pesadelo. Tem que lutar na vida, diz o homem dela. E ó que ela luta. É forte feito a carcaça de uma boa canoa de cedro. Então que, no mesmo dia, na Folia de Reis, conhecemos Seu Dito e Dona Maria. Casal de respeito, logo se via. Não havia um que não parasse para cumprimentá-los. A menina, que é chegada numa prosa, puxou conversa. O papo continuou dois dias depois, no sofá da casa deles, lá na Ilha das Cobras. 


Seu Dito é canoeiro, cirandeiro, pescador e contador de histórias. Uma vez, pequenino, pensaram que ele tinha morrido. O corpo já estava pronto para ser velado quando o pai apareceu com uma canoa para ele brincar. Acordou. Suas mãos já esculpiram 360 canoas – a primeira do Amyr Klink foi ele que consertou. As mesmas mãos carregaram orgulhosas a chama olímpica em 2007. Na cabeça, um estoque de causos para qualquer ocasião.  


Dona Maria nasceu na roça, no Fundão. Não fosse o marido caçá-la pelo bairro, estaria até agora enroscada na conversa com a vizinha. É de papo e pega no braço da gente quando fala. Faz sentir que a conhecemos há anos. Adora uma boa festa. Foi no baile que, aos 14, conheceu Seu Dito. Começaram a namorar, assim de longe, como era na época. Casaram e fizeram nove filhos.


Ela 70. Ele 74. Não vi um único toque, mas o carinho está no ar. Nas palavras. Conta para elas, Didito. Tô cantando certo, Maria? Às vezes a fala de um atropela a do outro e não dá para entender nada. Fica ainda mais bonito de ver. Daí, o que era vazio vira outra coisa. Coisa porque é sem nome mesmo. Conforto na alma. 


As ruas de Paraty nos acolhem outra vez, caminho para os pacientes. Ali, quem tem pressa não come cru. Não come. Talvez tope o dedão nas pedras, talvez torça o tornozelo. Pisamos com mais cuidado. Está tudo bem. A vida amostra pra gente, diriam os nascidos naquele chão. 


(24.01.2012)

Foto: Dito e Maria, por Paula Desgualdo


embreagem

Ele diz que eu falei dormindo: "Eu tô fazendo tudo o que posso, mais do que isso eu não posso fazer". No dia seguinte, acordei adoravelmente desencanada.
Só que, sabe como é, cano a gente precisa limpar todos os dias.