segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

A história do homem que conseguia organizar tudo - parte I


Era uma vez um homem que conseguia organizar tudo. Acordava sempre meia hora antes do despertador, que já estava programado duas horas antes do horário em que sairia de casa. Levantava perfeitamente são, esticava os lençóis, abria a janela, dobrava o pijama, colocava a água para ferver no fogão. Não lhe doíam as costas, não bocejava sem parar nem desejava que aquele dia fosse outro senão aquele dia. Tomava banho ouvindo o disco Live at Birdland, de John Pizzarelli. Depois, sentava-se no computador para ler as notícias do dia em cinco sites diferentes, um de cada continente. Seu fundo de tela era uma foto da avó no Maciço de Baturité, Ceará. Telefonava para Maria dos Milagres pontualmente às 9hs, geralmente segundos após fixar a mente no maciço livre de ícones e notícias, enquanto abaixava a tela do notebook e apertava off. A avó lhe falava sobre filhotes de gatos, tapiocas e saudade. O próximo passo era engraxar os sapatos, ajustar o cinto e passar brilhantina Tabu no cabelo. O café tomava sempre morno, adoçado com mel de Jataí em vez de açúcar e acompanhado de meio pão francês sem miolo, como o pai lhe havia ensinado (comprava o pão na noite anterior). Imediatamente após comer catava as migalhas de pão que caíam no chão, e não deixava a manteiga com aquele aspecto disforme, passava repetidas vezes a faca sobre o naco que ficava sedoso como um golfinho. Regava as plantas, varria a casa e verificava se estava faltando algo na geladeira. Antes de sair, riscava com um X o dia de hoje no calendário. Era comum, dando a última voltinha na fechadura com a chave, sentir um lampejo de orgulho por ser um homem que conseguia organizar tudo.

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