terça-feira, 29 de junho de 2010

na mosca

Não é preguiça, e não vou culpar a coitada da falta de tempo que ainda não conseguiu tirar os bobs do cabelo. Mas é que as palavras dos outros tem falado tanto.

"viagem. quando a margem vira rio. quando os nomes soam vazios e viram somente palavras que não querem dizer nada. só o que dizem. quando "bom dia" é "bom dia" e as cenas que eu já vi, eu nunca antes tinha visto. estar onde só se está. não precisar nem saber. estar só, interminavelmente só, somente por um intervalo. não ter o que dizer e não querer dizer nada. fartar-se de outras latitudes e ver a água girar ao contrário. daí saber que se está no meio de outro lugar do mundo e que o mundo é só mundo e que todos somos só uma margem. é bom ser margem e ninguém. por uma vez, agradecer que ninguém me entende e nem quer entender".

viagem, da Noemi, aqui.

terça-feira, 22 de junho de 2010

minha crônica preferida da copa

"Confesso: é um desvio pieguístico, típico de quem cresceu vendo telenovelas de Janete Clair.
Sempre que chega nessa fase da Copa, perco meu tempo imaginando o destino dos derrotados.
Tenho dó.
É verdade. Depois de duas taças de vinho B na Mercearia, essa sensação aumenta – quase choro pelos despossuídos que aparecem sistematicamente numa das três TVs das paredes com o som desligado.
Será que aqueles treinadores que chegaram à África do Sul vendendo autoconfiança tinham um plano B?
Será que o Parreira terá alguém da federação sul-africana para levá-lo até o aeroporto? Ou deverá sair do hotel, ir até a rua, checar quantos rands sobraram no bolso e acenar para um malinês de praça?
E Domenech, com seu ar de professor da École de France, terá alguém para buscá-lo no aeroporto Charles de Gaulle?
Será que o Anelka, quando desembarcou em Paris, passou por um túnel que estava pichado com a inscrição VA TE FAIRE ENCULER?
E Jong Tae-se, o atacante chorão da Coreia do Norte, que joga na J-League, após levar de 7 de Portugal e ser eliminado: será que ele prosseguirá no futebol ou o “governo do Povo” coreano vai mandá-lo para uma fábrica?
E David Villa, que pode ter jogado fora a chance da Espanha naquele pênalti perdido contra Honduras? Quando será que ele terá novamente a serenidade necessária para ir até aquele bistrô de Chueca?
Quando o goleiro Green, da Inglaterra, devorador do primeiro frango da Copa, terá coragem de sair de seu apartamento para passear pelo Soho de novo?
E o camaronês Samuel Eto’o? Quando sairá da situação de abatimento e voltará a brigar com torcedores racistas nas ramblas de Barcelona?
E Shabalala, o autor do primeiro gol da Copa, conseguirá assegurar um bom contrato assim que voltar para casa?
É claro, também penso nos que sairão cheios de honra, já garantiram a reputação.
O lateral suíço Tranquillo Barnetta, por exemplo. Eu o imagino lançando uma linha de camisetas com seu nome num shopping de Zurique, dando autógrafos na rua, estudando propostas do futebol turco.
E me parece claro que Dennis Rommedahl e seus colegas da Dinamarca certamente serão recebidos com um jantar especial pelo chef René Redzepi, no Noma, recém-eleito o melhor restaurante do mundo, em Copenhague, e os invejo. Malditos vikings sortudos!"

Táxi!, do Jota, aqui.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

dosgostos


Eu gosto muito de tapioca. Eu não sei por que.
(porque tem cheiro de uma coisa tola deliciosa, açúcar cristalizado que virou chuva, travesseiro recheado de paina.
Eu gosto muito de renda. Eu não sei por que.
(porque carrega a sabedoria de mil aranhas em cada linha.
Eu gosto muito do brega. Eu não sei bem por que.
(me lembra insolência, petulância, braços abertos, um baú cheio de sim
Eu gosto muito de frio
(menos o frio da sua ausência).
Eu gosto muito de flores. Eu não sei por que.
(como todas as mulheres, cada dia eu gosto mais de uma flor
Mas tenho a minha preferida.
Uma vez, eu não sabia direito quem era, por isso me isolei numa tenda quente em Pedra Bela. Quando saí de lá, uma índia olhou para minha cara de medo derretido e disse: florzinha do campo. Meses depois, eu abracei uma garotinha valente que saía da tenda molhada e, sem pensar, disse: florzinha do campo.
Mas cheiro de lavanda me acalma.
Eu gosto de grampeador, grampear os papéis, mesmo que eles nem precisem uns dos outros.
Pieguice é ter paúra de escrever coração
Bocejar não é uma coisa muito legal
Se quiser que o soluço passe, diga alto o nome de sua fruta preferida. Eu vi que funciona.
Tem gente que soluça muito, tem gente que não soluça há seis anos, e tudo bem.
Sinto falta de algumas amigas, mas hoje é o aniversário da minha melhor amiga, que é uma grande mulher.
Não sei se alguma vez já me senti sozinha
Como Adélia Prado, ora sim ora não creio em parto sem dor
Dor e amargura são tão parecidas como listrado e xadrez.
Segunda-feira eu vou para o Rio de Janeiro.

terça-feira, 15 de junho de 2010

rascunho


Com as duas mãos fez um rabo-de-cavalo, simulou um coque e respondeu "não, e você?", enquanto os cabelos desabavam no pescoço e voltavam à posição original. Ele queria dizer que estava com vontade de chupar o rastro de gelo que o copo de chope havia deixado em seu dedinho, mas respondeu "não, também, não" e olhou para a quina da mesa envergonhado de si mesmo - aquele dia frio era obviamente um dia para uma taça de La Linda.

Foto: Adriana Casellato

segunda-feira, 14 de junho de 2010

sobre mestrados e doutorados


"Eu sou aquela mulher que fez a escalada da montanha da vida removendo pedras e plantando flores".

Cora Coralina

quarta-feira, 9 de junho de 2010

to te esperando na janela


Sonhei que levava um bonsai de figo para casa, com um figo já nascido. Era lindo.
Inventamos de colocar diariamente bananas para os passarinhos, em nossa janela florida.
Ora, muito original, quase ninguém alimenta os pássaros da vizinhança com frutas! Pois, para mim, é como se fôssemos os primeiros, é como se, antes de nós, não existissem pássaros nas janelas, como se eles sequer soubessem que gostassem de frutas.
Descascamos sempre duas bananas, que são acomodadas entre os vasos. Às vezes, eu os rego depois das bananas, e derrubo água nelas, e fico pensando como sou indelicada.
Depois, eu fico esperando.
Sabiás e sanhaços cantam no prédio de trás, como se avisando uns aos outros: ali tem comida!
Dia desses fui pendurar a toalha molhada no varal, que fica perto da janela, e senti que estava sendo observada. Tomamos o maior susto de nossas vidas, eu e o sabiá. Ele estava com a boca na banana, a banana com pequenas mordidinhas.
Se passamos o dia em casa, eles aparecem apenas para mordicadas. Se ficamos o dia todo fora, eles levam embora tudo: polpa, casca, até o cheiro da banana, até nossa intenção de botar uma banana lá.
(não sei como nunca entraram na cozinha e atacaram a fruteira).
Ontem, deixei também na janela um naco de atemoia, comi uma no café da manhã e estava tão doce, mas tão doce, tinha açúcar cristalizado em alguns pedaços, uma coisa assim meio escândalo.
Eles levaram o naco todo!
daí que eu tava meio implicante porque descobri que a fruta é um híbrido, mas
agora posso comer minhas atemoias em paz.
(e qual será que foi a do figo? a passarada já começou a me subornar via sonho?).

Foto: Elijah van der Giessen