segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Eu sinto raiva


Eu nunca fui muito boa em expressar raiva. Sinto, como todo mundo. Não me chega em doses diárias, mas também nem tampouco em mensais.
Sinto, e em vez de reagir com natural agressividade, eu quase sempre choro. Geralmente longe do inimigo, escondido no banheiro, no carro, no quarto.
Sempre agi com estranha sensatez, dizendo no máximo um "não concordo com você", "acho que não é bem assim", corando e indo soluçar longe dali, já em terreno seguro, em minhas próprias cachoeiras.
Deve ser alguma coisa na minha composição, combinada com alguma coisa herdada do meu mil avô, com alguma coisa de criação de pai e mãe.
Afinal, com 6 anos, quando a professora perguntou "o que você faz se um amiguinho briga com você?", eu respondi livremente "ou eu chamo a tia ou eu peço desculpas". Está lá em meu boletim, para eu sempre me lembrar. O que me faz concluir que minha lógica sempre foi a seguinte: é melhor pedir desculpas e ser inocente que ser culpada e me inocentar.
No fim, um medo gigantesco de assumir a responsabilidade de se tornar uma persona non grata.
Fui crescendo e achando que tudo bem, sou assim, até que um dia eu descobri que não. Eu sinto raiva, assim como uma das pessoas mais doces que conheço, meu irmão, também sente, e à mesma pergunta sobre o amiguinho respondeu "eu bato nele".
Tudo bem ser doce e brigar. O que não é legal é fingir que não sente raiva, ódio, desprezo, pena, dó, e ir lá ao banheiro sentir escondido.
No último fim de semana em Pedra Bela, chegamos atrasadas e a reação geral foi achar que tínhamos sido displicentes. Perdemos a roda de apresentação e fomos tomadas de um intenso mal-estar. Em um lugar sagrado onde havia vivido uma sucessão de experiências boas nos últimos quatro anos, pela primeira vez me senti mal. Mas quando os anfitriões vieram me perguntar se estava tudo bem, eu respondi, como se ligada no piloto-automático, sim tudo ótimo. Uma das amigas disse que não estava tudo bem e desabafou sobre o desconforto que estava sentindo. Então largou mão daquilo, seguiu em frente, terminou o trabalho quase esquecida do incômodo inicial.
Acho que a raiva é nossa só até o momento em que nos despedimos dela.
Eu não, passei os dois dias presa àquele sentimento. Segurei até onde pude - passei a última rodada do ritual levantando do lugar e indo vomitar no banheiro.
Aquilo foi uma lição. De como é importante deixar a agressividade sair feito o ar da bexiga que esvaziamos de propósito só para ouvir aquele "tssssshuu".
Perder a ternura de vez em quando.
Qual a medida eu ainda não sei.
Pelo menos já consegui dizer na cara de um manobrista: vá se foder!
E dizer ao árabe do velho mercado de Jerusalém algo que traduzo como "você entendeu errado, sir, não há necessidade de ser grosseiro"
Já consigo mostrar o dedo do meio no trânsito. E minha mãe disse, dia desses, "filha, o que é isso? que descontrole"
Conscientemente descontrolada, a escolha de se descontrolar.

Sim, há meia dúzia de pessoas no mundo que não suporto e não gostaria de ter por perto.
Acho o Fernando Henrique Cardoso detestável, já cheguei perto dele depois de uma palestra e perguntei "por que levantar a discussão da maconha?". Desviou o olhar e disse, mirando o chão, sem qualquer vibração, "é um assunto importante, existem assuntos importantes".
E ainda tem um bafo horrível de café com cigarro.

Minha avó diz que quando escuta a neta dizer à filha "engole esse choro", fica irada. "se você briga com a criança, o mínimo é deixá-la chorar em paz".

Respondendo, por puro acaso, à pergunta da Ju Menz, talvez seja esse o meu maior desejo para 2012: engolir menos raiva.
Se a vida briga com a gente, se a gente briga com a vida, o mínimo que se pode fazer é deixar a raiva sair em paz

Hoje eu penso: o que seria de mim sem as vezes em que rolei no chão puxando o cabelo da Manô, cheia de raiva e vontade?

"O mais bonito que tem é onça Maria-Maria esparramada no chão, bebendo água. Quando eu chamo, ela acode. Cê quer ver? Mecê tá tremendo, eu sei. Tem medo não, ela não vem não, vem só se eu chamar. Se eu não chamar, ela não vem. Ela tem medo de mim também, feito mecê..."

(João Guimarães Rosa)


E por último: este blog é cor-de-rosa, mas não é fofo.

foto: jota

6 comentários:

Rachel disse...

a gente vai encontrando o equilíbrio, né, amiga? e as pessoas que colocamos nas nossas vidas nos ajudam a fazer esse balanço. eu sempre senti muita raiva e nunca coloquei pra fora. aquele dia, sem perceber, por algum motivo que desconheço, resolvi dizer o que sentia. aliás, depois de tantas rupturas, eu acho que ando botando mesmo pra fora. vai saber, né?
te amo! lindo post! e gritemos toda vez que sentirmos raiva.

Anônimo disse...

Adorei irma um dia espero escrever bem que nem voce hahahaha adoro seus textos! E um ps- sempre falei que vc era mais raivossa do que eu hahahahaha

tatotucci disse...

è mto bom desabafar e chorar, chorar, chorar.... igual a cantar, quem canta seus males espanta!!!
bj/meu bichinho

nana tucci disse...

Irmã, que nada...é que agora, perto dos 27, tô virando ÁRIES!!! rsrs.
Meu pai, te amo

Anônimo disse...

Virando ariana coisa que vc sempre se gabou por ser de peixes achando que era melhor que o meu (risos) o carma foi tanto que vc vai ser mais ariana que eu hahahahaha! E sim o melhor signo com absoluta certeza, peixes nao esta com nada ! Entao ja mude sua atitude daqui 5 anos vc vai olhar pra este post e perceber que uma ariana ama chorar e fala mesmo oque pensa na lata ( maior defeito do mundo)!!!

nana tucci disse...

hahahahahahahaha
Falar as coisas na lata, vou aderir. Grande irmã mais nova.
te amo Bibs