domingo, 15 de fevereiro de 2009

Liberdade


As duas usavam o mesmo vestido correto, mas com estampas diferentes. Óculos escuros. Olhavam vez ou outra, de canto de olho, a garota com os cabelos bagunçados e o vestido de algodão curto, fazendo que ia levantar. A garota não queria parecer deselegante, mas não conseguia parar de admirar aquelas duas senhorinhas. O mesmo tamanho, baixas e magras, o mesmo cabelo, a mesma roupa. Acendou um cigarro, apertou Bento e Antônio e teve, de súbito, uma saudade morna da avó. Uma vontade do abraço de veludo da avó, da delicadeza com que pega em suas mãos, a chama de Jo e conta sobre uma lã argentina. O ônibus encosta e ela acomoda-se atrás das duas senhorinhas enquanto uma freira devidamente trajada senta-se ao seu lado, embora tivesse preferido não ter companhia, ela notou. O ônibus parte e a freira já dorme pesado, a cabeça escorregando nos ombros da garota. Pensa em sinalizar que de alguma forma está invadindo seu espaço mas, afinal, que raio de sentido há nisso? Teve vontade de abraçar a freira de cabelo cor de chumbo. Cheia de vontades naquela tarde em que a presença teve de se vestir de ausência.
- Está demorando para chegar, menina. Você sabe que bairro é esse?
Sabe. A freira diz baixinho onde mora.
- Desculpe, Liberdade?
- Não, Piedade.
O sol de rachar ilumina o rosto da freira, as senhoras namoram o mar e a garota segue mais firme pelo chão de pedras.

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