segunda-feira, 6 de abril de 2009

Virginia He-Man


Em 1920, o romancista Arnold Bennett publicou uma coleção de ensaios entitulada Our Women: Chapters on the Sexdisrvord. Virginia Woolf, que estava escrevendo O Quarto de Jacob, acabou entrando em conflito com Desmond MacCarthy (ou Falcão Afável), que publicou uma resenha escandalosamente machista do livro de Bennett na revista New Statesman.

Trecho da resenha do Falcão Afável:

"(...) Para ele é difícil dizer, embora ele diga, que as mulheres são inferiores aos homens em capacidade intelectual, especialmente no tipo descrita como criativa. Certamente, este fato é evidente a qualquer pessoa, e o Sr. Bennett admite que 'nem educação nem liberdade, em qualquer grau, alterarão sensivelmente este fato.' A literatura mundial mostra ao menos cinquenta poetas maiores que qualquer poetisa. (Sim; a menos que você, como Samuel Butler, acredite que uma mulher escreveu a Odisséia) (...) Embora seja verdade que uma pequena porcentagem das mulheres seja tão inteligente quanto os homens inteligentes, o intelecto é uma especialidade masculina. Algumas mulheres, indubitavelmente, são muito inteligentes, mas em menor grau que Shakespeare, Newton, Michelângelo, Beethoven, Tolstoy. A capacidade intelectual média das mulheres também parece significativamente menor. Se o intelecto de um homem inteligente, mas não especialmente inteligente, fosse transferido para uma mulher, ela se tornaria imediatamente uma mulher muito inteligente."

Virginia Woolf endereça uma carta feroz à New Statesman:

"(...) Como, então, o Falcão Afável explica o fato que me parece evidente, e eu pensaria que a qualquer outro observador imparcial, de que o século dezessete produziu mais mulheres notáveis que o século dezesseis, e o dezoito mais que o dezessete, e o dezenove mais que os três anteriores juntos? (...) Embora as mulheres tenham todas as razões para esperar que o intelecto dos homens esteja diminuíndo, seria pouco inteligente anunciar isto como fato, ao menos até que se tenham evidências maiores que a Grande Guerra e a possibilidade de paz. Em conclusão, se o Falcão Afável deseja sinceramente descobrir uma grande poetisa, por que se permite ser iludido com uma possível autoria feminina para Odisséia? Naturalmente, tenho a pretensão de conhecer a cultura grega tanto quanto o Sr. Bennett ou o Falcão Afável, mas me disseram que Safo era uma mulher, e que Plutão e Aristóteles a colocavam, junto com Homero e Arquíloco, entre as maiores poetas de seu tempo. Que o Sr. Bennett possa nomear cinquenta homens indiscutivelmente superiores a ela é uma surpresa bem-vinda, e se ele publicar seus nomes eu prometo, como ato de submissão que é tão caro ao meu sexo, não apenas comprar todas as suas obras mas, tanto quanto minhas capacidades permitam, aprendê-las de cor."

Onze anos depois, Virginia disse o seguinte em discurso para a National Society for Women's Service sobre sua trajetória de vida:

"(...) Artigos devem falar sobre algo. O meu, pelo que me lembro, era sobre o romance de um homem famoso. E enquanto estava escrevendo essa resenha, descobri que se fosse resenhar livros precisaria travar uma batalha com um certo fantasma. E o fantasma era uma mulher, e quando vim a conhecê-la melhor eu comecei a chamá-la como a heroína de um famoso poema, The Angel in the House (O Anjo da Casa). Eu vou descrevê-la da forma mais sucinta possível. Ela era intensamente compassiva. Era imensamente encantadora. Era profundamente abnegada. Ela dominava todas as difíceis artes da vida familiar. Sacrificava-se diariamente. Se havia galinha, ela ficava com o pé; se havia uma corrente de ar, tomava seu lugar nela. Resumindo, ela era tão condescendente que nunca tinha uma ideia ou desejo próprio. Em vez disso, preferia concordar sempre com as ideias e os desejos dos outros. Acima de tudo – nem preciso dizer – era pura. A pureza era considerada sua maior beleza. O rubor de suas faces, sua graça maior. Naqueles dias (os últimos da Rainha Vitória) cada casa tinha seu anjo. E quando vim a escrever encontrei com ela bem nas primeiras palavras (...) Eu me voltei contra ela e agarrei-a pelo pescoço. Fiz o possível para matá-la. Minha alegação, se fosse levada a julgamento, seria a de que agi em legítima defesa. Se eu não a tivesse matado, ela teria me matado."

Tudo isso no precioso livrinho Kew Gardens, O Status Intelectual da Mulher, Um Toque Feminino na Ficção, Profissões Para Mulheres, traduzido por Patrícia de Freitas Camargo e José Arlindo F. de Castro

Foto: Virginia Woolf. Crédito: Associated Press

Nenhum comentário: