segunda-feira, 13 de setembro de 2010

comer, rezar e amar


Não cresci comendo comida feita pelas mãos de pai e de mãe. Nunca vi minha mãe tirar um bolo do forno ou meu pai picar uma cebola. Mas isso não me impediu de colecionar inúmeras memórias amorosas à mesa: a banana com açúcar que o meu pai preparava pra gente depois do almoço, a limonada fresca, o pão francês com peito de peru que minha mãe trazia da padaria para o lanche da tarde nos fins de semana. Um dia, quando trabalhava no caderno de gastronomia de um jornal, entrei numa crise dessas de 3 minutos por não ter pais cozinheiros, mas minha prima disse: “Você tá de brincadeira? Vocês todos lá na sua casa têm uma relação muito forte com comida”. É verdade. Aí ele apareceu, ele que vem de uma família de cozinheiros espetaculares, mulheres que transformam rabada no prato mais chique do mundo, homens que grelham cordeiro em uma churrasqueira improvisada deixando a carne mais crocante e mais suculenta que muitos bistrôs de São Paulo. Ele não congela nem requenta coisa alguma, tem um paladar tão apurado que é capaz de adivinhar quanto tempo uma carne ficou congelada na primeira garfada. Sabe escolher berinjelas. Outro dia, eu trouxe uma jaca mole do supermercado e, depois que eu chupei a fruta (pela qual tenho adoração), ele cozinhou as sementes – ficam macias como batatas, mas amendoadas como castanhas portuguesas. Comemos sem acompanhamentos, de pé, na cozinha. Ele faz uma simples ervilha torta frita parecer um diabo de um prato sofisticado. Cresceu sem saber o que era uma lasanha pré-pronta, tomando sopa pelando de broto de abóbora feita com maestria pela mãe. Viciou em comida fresca. Por isso, lá em casa, no congelador só entra sorvete. Vejo-o virando os camarões na frigideira, abrindo as janelas para o cheiro de manteiga e alho não se espalhar pela casa, monitorando as panelas todas, e lembro de esguelha de uma frase da M.F.K. Fisher sobre restaurantes, em Um Alfabeto para Gourmets. Me marcou justamente porque, na época, me soou estranha. Algo a respeito do verdadeiro sofrimento que era ter de comer fora de casa.

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