quinta-feira, 24 de maio de 2012

mãe Eulina



Eu fico imaginando. Ela devia ter duas ou três panelas. Ontem mesmo eu disse para ele: aposto que ela tinha três panelas e elas as usava o dia todo, nunca chegavam a se apegar ao armário. Em uma delas devia deixar sempre uma água fervendo, para o caso de algum filho chegar da rua ou precisar sair de casa antes do almoço. Imagino seus cabelos num tom castanho claro, lisos e compridos, mas sempre presos num rabo de cavalo baixo. Seu sorriso tímido, igual o dele. Os olhos como se o tempo todo abertos, mas nunca cansados. Ela, assim como o marido e os primeiros 12 filhos, nasceu no sertão da Paraíba, um lugar que não está no Guia Quatro Rodas. 
Ela cantava lindamente para ele.
Ela mora num quadro lá no sítio que eu adoro. A gente já conversou bastante e acho que, tirando uma mania ou outra, ela gosta de mim. 
Toda vez que eu colho limão rosa do pé eu me sinto mais próxima dela. Quando eu cozinho para os netos dela, também.
Ela era uma engenheira de primeira: construiu uma casa no coração do garoto que, tantos anos depois, segue intacta. A pintura, as portas e janelas e os abacates para os sabiás.
Hoje ele escreveu sobre a mãe Eulina, e eu chorei.


"Não sei quando ela nasceu e nem quem foram os pais dela.

Não sei se ela sabia escrever, nunca a vi escrevendo.
Não sei o dia em que ela morreu, mas me lembro de tudo, eu estava lá.
Eu era muito novo para me lembrar de como ela era, mas me lembro.
Do que não me lembro, encontro nos meus irmãos, fragmentos do que ela foi.
Confesso que, para questões de sanidade emocional, dependo muito ainda dessa senhora aqui da ilustração.
(para assuntos de sanidade física também).
A descrença nas pílulas e no xarope envidraçado e a fé cega nas plantas? Culpa dela.
As cantigas de ninar hoje se transformaram em folk songs, mas é tudo da mesma matéria-prima.
A comida com muita cebolinha, o gosto pelo bolinho de chuva, pelas sopas, tudo influência dela.
O otimismo crônico (“Não há dinheiro suficiente para o cinema, mas podemos resolver isso vendendo umas coxinhas na frente do Estádio Municipal, filho”).
Há algo da influência dela no meu jeito de não deixar nunca que notem minha contrariedade.
Finjo naturalidade para não trair o orgulho ferido."


(Jotabê Medeiros)


ilustração: Célia Medeiros 

2 comentários:

thais disse...

que lindo, que lindo! <3

thais disse...
Este comentário foi removido pelo autor.