Dizem que quando a cerração não te deixa ver os cânions, é a cidade querendo que você volte outra vez.
Foi assim comigo em Cambará do Sul, no Rio Grande do Sul. Tentei ver os cânions Itaimbezinho e Fortaleza duas vezes cada um, o que significa uns 100 km de estrada de terra entre idas e vindas.
A rádio que monitora o Parque Nacional de Aparados da Serra anunciava que o céu estaria limpo nos cânions às 10h. Chegava lá às 10h05 e o segurança dizia "tava aberto mesmo, mas fechou. Aqui é assim mesmo, em um minuto fecha o tempo e muda tudo".
Cerração, neblina, bruma, fog.
Não vi nada, nem um pedaço de cânion, nada mesmo, o que me entristeceu do começo ao fim da viagem. Principalmente por causa das fotos dos turistas que encontrava pelo caminho, ah, as fotos!
A rádio que monitora o Parque Nacional de Aparados da Serra anunciava que o céu estaria limpo nos cânions às 10h. Chegava lá às 10h05 e o segurança dizia "tava aberto mesmo, mas fechou. Aqui é assim mesmo, em um minuto fecha o tempo e muda tudo".
Cerração, neblina, bruma, fog.
Não vi nada, nem um pedaço de cânion, nada mesmo, o que me entristeceu do começo ao fim da viagem. Principalmente por causa das fotos dos turistas que encontrava pelo caminho, ah, as fotos!
Também tive de atravessar duas vezes a Serra do Rio do Rastro, com o coração aos pulos porque essa estrada não merece nunca uma adjetivação inferior a deslumbrante. Ainda assim a melhor descrição que encontrei para explicar aos outros do que se trata é bem provinciana: sabe a estrada que o Bip Bip desce correndo no desenho animado? É por aí.
Estamos falando da região de Aparados da Serra, que abarca o nordeste do Rio Grande do Sul e o sul de Santa Catarina. São as cidades mais frias do Brasil. Num agosto típico, costuma nevar. Neve de verdade, as araucárias ficam branquinhas e as crianças fazem bonecos de neve.
Estamos falando da região de Aparados da Serra, que abarca o nordeste do Rio Grande do Sul e o sul de Santa Catarina. São as cidades mais frias do Brasil. Num agosto típico, costuma nevar. Neve de verdade, as araucárias ficam branquinhas e as crianças fazem bonecos de neve.
Tive que descer a Serra do Rio do Rastro duas vezes porque o dinheiro acabou em Urubici, na cidade não passava cartão, eu não tinha mais folhas de cheque e não havia caixas eletrônicos nas imediações. Então a solução foi ficar dois dias em Urubici, atravessar a Serra do Rio do Rastro, dirigir até Criciúma, sacar dinheiro, atravessar a Serra do Rio de Rastro e voltar pra Urubici para mais dois dias de trabalho.
Nessa breve parada em Criciúma houve um acidentezinho. Me disseram que no povoado de S. Bento estava a menor igreja do Brasil do Brasil!, eu fui lá ver, e concentrada em procurar a igrejinha que já estava no meu campo de visão caí numa vala. Um buracão. O carro ficou inclinado pra esquerda como um coqueiro entortado pelo vento em Alagoas, só que no meu caso não tinha vento, tinha chuva.
Uns quatro homens pararam pra me ajudar a sair, eu pensava gente mas por que tanto, desci do carro. Entendi. Chovia uma chuva fina e contínua e eu congelei aquela imagem daqueles homens tentando tirar o carro dali de um jeito que me parece fresca até hoje como as maçãs que eu comi em São Joaquim.
Mas ter atravessado a serra duas vezes me deu a sorte de ter repetido o empacotado, doce típico de Bom Jardim da Serra que não se acha em mais lugar nenhum - exceto em uma lojinha na beira da estrada chamada Empório Aparados da Serra duma neta bom-jardinense que copiou a receita da avó, graças a deus. Massa fininha com recheio de queijo serrano muito macio e derretido, por cima de tudo açúcar e canela.
Foi também nesse empório que comprei um dos melhores cremes hidratantes que já tive, feito com mel e vindo do Mato Grosso, "tem gente que passa aqui só pra levar estoque do creme". Era caro, tipo R$ 5 um potinho um pouco maior que um daqueles miúdos Vic VapoRub.
Em São Joaquim, parei no paraíso das maçãs, a loja Sanjo, e comprei uma caixa das melhores que já comi, parecidas com as que recheavam as tortas polonesas que comi durante sete dias seguidos em Varsóvia em 2007. "Pena que você não provou o suco de maçã que a gente mais vende aqui, é uma senhora japonesa que faz e só ela, parece que cozinha a maçã antes". Até hoje penso nesse suco.
Foi uma viagem de divisas: atravessei a ponte pênsil que liga a praia gaúcha de Torres à catarinense Bellatorres, árida e rachera como deve ser uma cidade fronteiriça mexicana; fiquei horas perdida na floresta que liga São Joaquim, em Santa Catarina, a São José dos Ausentes, no Rio Grande do Sul. Lembro de ter parado para pedir informação a uma família do campo que fez um mapa tão naif que entrei no carro com aquele papel e chorei.
Fiz amizade forte com Guilherme, 14 anos, o filho do casal dono de uma pousada rural em São José dos Ausentes, lugar tão misterioso e maravilhoso como o nome sugere.
Guilherme foi meu espelho retrovisor nas estradas de chão de Ausentes. Criticou a desorganização do meu carro, vomitou no meu carro, me disse que eu "não podia deixar de incluir" um museu situado dentro de uma antiga fazenda, cavalgamos juntos até o cânion Monte Negro e entre todas as miniaturas de ovelha que eu trazia na bolsa o espertinho escolheu bem a única ovelha que eu tinha decretado minha. Ficou com a ovelha negra, não é bobo nem nada.
Ainda me conforta pensar no Guilherme.
Olha, não desejo nem que meu pior inimigo pegue a estrada que liga Cambará do Sul a Praia Grande, com pedras tão enormes e pontudas que as ruas de Paraty são asfaltadas perto dessas.
Quando eu cheguei a Bom Jesus, uma mulher me disse "agora você já pode dizer que esteve no cu do mundo". Foi a última parada. Quer dizer, a última foi Vacaria, onde eu inutilmente tentei achar um movelzinho bonito de madeira. Lugar bom de móvel é o Trevo de Santa Clara, perto de Urubici, onde comprei o banco de madeira da nossa sala por R$ 100. A irmã da dona da pousada em que me hospedei tinha uma transportadora e o banco foi enviado à Feira da Madrugada do Brás sem custo, porque despachar no avião é que não daria. E aí pagamos R$ 100 para um carreto transportá-lo do Brás à Vila Madalena.
São essas sobras, esses pedaços desengonçados que sobram da massa do crepe e são imediatamente cortados sem dó, e nunca estão no prato principal, as memórias de maior envergadura da gente.
Nessa breve parada em Criciúma houve um acidentezinho. Me disseram que no povoado de S. Bento estava a menor igreja do Brasil do Brasil!, eu fui lá ver, e concentrada em procurar a igrejinha que já estava no meu campo de visão caí numa vala. Um buracão. O carro ficou inclinado pra esquerda como um coqueiro entortado pelo vento em Alagoas, só que no meu caso não tinha vento, tinha chuva.
Uns quatro homens pararam pra me ajudar a sair, eu pensava gente mas por que tanto, desci do carro. Entendi. Chovia uma chuva fina e contínua e eu congelei aquela imagem daqueles homens tentando tirar o carro dali de um jeito que me parece fresca até hoje como as maçãs que eu comi em São Joaquim.
Mas ter atravessado a serra duas vezes me deu a sorte de ter repetido o empacotado, doce típico de Bom Jardim da Serra que não se acha em mais lugar nenhum - exceto em uma lojinha na beira da estrada chamada Empório Aparados da Serra duma neta bom-jardinense que copiou a receita da avó, graças a deus. Massa fininha com recheio de queijo serrano muito macio e derretido, por cima de tudo açúcar e canela.
Foi também nesse empório que comprei um dos melhores cremes hidratantes que já tive, feito com mel e vindo do Mato Grosso, "tem gente que passa aqui só pra levar estoque do creme". Era caro, tipo R$ 5 um potinho um pouco maior que um daqueles miúdos Vic VapoRub.
Em São Joaquim, parei no paraíso das maçãs, a loja Sanjo, e comprei uma caixa das melhores que já comi, parecidas com as que recheavam as tortas polonesas que comi durante sete dias seguidos em Varsóvia em 2007. "Pena que você não provou o suco de maçã que a gente mais vende aqui, é uma senhora japonesa que faz e só ela, parece que cozinha a maçã antes". Até hoje penso nesse suco.
Foi uma viagem de divisas: atravessei a ponte pênsil que liga a praia gaúcha de Torres à catarinense Bellatorres, árida e rachera como deve ser uma cidade fronteiriça mexicana; fiquei horas perdida na floresta que liga São Joaquim, em Santa Catarina, a São José dos Ausentes, no Rio Grande do Sul. Lembro de ter parado para pedir informação a uma família do campo que fez um mapa tão naif que entrei no carro com aquele papel e chorei.
Fiz amizade forte com Guilherme, 14 anos, o filho do casal dono de uma pousada rural em São José dos Ausentes, lugar tão misterioso e maravilhoso como o nome sugere.
Guilherme foi meu espelho retrovisor nas estradas de chão de Ausentes. Criticou a desorganização do meu carro, vomitou no meu carro, me disse que eu "não podia deixar de incluir" um museu situado dentro de uma antiga fazenda, cavalgamos juntos até o cânion Monte Negro e entre todas as miniaturas de ovelha que eu trazia na bolsa o espertinho escolheu bem a única ovelha que eu tinha decretado minha. Ficou com a ovelha negra, não é bobo nem nada.
Ainda me conforta pensar no Guilherme.
Olha, não desejo nem que meu pior inimigo pegue a estrada que liga Cambará do Sul a Praia Grande, com pedras tão enormes e pontudas que as ruas de Paraty são asfaltadas perto dessas.
Quando eu cheguei a Bom Jesus, uma mulher me disse "agora você já pode dizer que esteve no cu do mundo". Foi a última parada. Quer dizer, a última foi Vacaria, onde eu inutilmente tentei achar um movelzinho bonito de madeira. Lugar bom de móvel é o Trevo de Santa Clara, perto de Urubici, onde comprei o banco de madeira da nossa sala por R$ 100. A irmã da dona da pousada em que me hospedei tinha uma transportadora e o banco foi enviado à Feira da Madrugada do Brás sem custo, porque despachar no avião é que não daria. E aí pagamos R$ 100 para um carreto transportá-lo do Brás à Vila Madalena.
São essas sobras, esses pedaços desengonçados que sobram da massa do crepe e são imediatamente cortados sem dó, e nunca estão no prato principal, as memórias de maior envergadura da gente.
3 comentários:
Você(...)
Nana. Exacerbada nas emoções que lhe parecem ser sempre tão fáceis, tão simplesmente simples.
Tem entretanto um poder incrível de revelar a humanidade as vezes encoberta por sentimentos feios de se falar sobre, ou de assumir a culpa por senti-los.
(...)Delicada Nana.
Amor de mi bida loka!
A região é realmente encantadora. tb me perdi pra chegar em São José dos Ausentes rss
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