segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Demorão ou jájão


Hoje despertei às 6h30 e depois de muito tempo sem fazer isso tive vontade de caminhar até a padaria
Já não ligo muito para a roupa que estou vestindo, ou como está o meu cabelo, ou se sujei a blusa de pera 
Caminhar é engraçado, as pernas gorduchas desconjuntadas, as dorzinhas que vêm daqui e dali e não se sabe de onde, e aquela vontade doida de arquear os pés, mas elas têm uma firmeza e uma certeza que é só delas, as grávidas e as bailarinas. 
Enquanto o mundo espera a notícia grande, você se concentra nas pequenas, no trivial, lavar a louça, passar o café. Tinha um professor que dizia que só a leitura salva mas eu acho que são as coisas ordinárias.
"Ser forte é parar quieto; permanecer", fui atrás do Rosa hoje.
"Demorão ou jájão", você vem
Você está vindo, a cada esquina você vem um pouquinho mais, a cada contração, a cada coliquinha, a cada puxada de perna, a cada noite mais ou menos dormida
*
O fim, pra mim, tem sido mais tragicômico que enfadonho. Derrubo tudo no chão, absolutamente tudo, do sabonete à tampinha da água, papel higiênico fora do lixo, e pra levantar e pegar é aquela coisa bonita, abrir as pernas pra barriga se encaixar no meio. 
Abaixar pra colocar comida para as gatas dá contração, ataque de riso dá uma espécie de contração. Sentar no sofá não é mais uma tarefa simples, requer aquecimento prévio: pelo menos cinco almofadas nas costas e um impulso na hora de levantar, por favor!
Ora me sinto uma velhinha, ora me sinto uma baleia encalhada 
hahahahaha pode rir, você
E às vezes também dá vontade de chorar, sem muito motivo, como eu fiz ontem no banho. É que é tão bonita essa travessia, mesmo com suas feiuras e incomodezas, e nós chegamos até aqui, meu grande garoto! 
até onde chegaremos mais?
*
Os irmãos já dizem oi e se despedem, "oi, Bento, tchau, bebê". A menina morena que adora verão sonhou que você era o "grude" dela e tinha olhos azuis. O garoto comprido que está pesquisando a Antiga Pérsia sonhou que você tinha olhos verdes. Como eu, quando eles sonham com você, você tem olhos claros, o que não deixa de ser curioso.  
Seu pai está leve como um passarinho, canta e dança pela casa à tua espera. Semana passada comprou champanhe no nosso dia mais duro - vai que ele vem hoje!, e dias depois foi a minha vez de providenciar dez taças descartáveis. 
A avó materna, já incansável no papel de avó que cuida e provê, se diz "pronta para ser avó, e calma". Ela está também eufórica de felicidade. Bento, se prepara!
A bisa Teresinha comentou com a tia Célia, que na última quinta-feira encheu os olhos de lágrimas fazendo carinho na minha barriga, que a neta está na fase do armário, "quando você entra no armário e quer ficar quietinha".
É que quanto mais me concentro, mais eu te sinto.
*
Me diziam que os últimos meses de gravidez eram iguais aos primeiros, mas definitivamente a gravidez é sem regras, pra mim eles foram desenhados de forma bem diferente.
No entanto se há um afluente entre esses dois rios, o do começo e o do fim deste país que é a gravidez, é a necessidade de aquietar e permanecer. 
*
Dentro de mim, você é ora peixe ora passarinho, sinto suas barbatanas se agitando e suas asas batendo, sinto sua vontade de vir, e de ficar mais um instante.
Tem coisa divina nesse exercício de esperar, será hoje, será amanhã, será só daqui a três semanas, pois possível é. Se não tem história igual, como será a nossa, o que vai acontecer primeiro o bolo vai cheirar ou o garfo sair limpo?
Anteontem eu consegui fazer pela primeira vez um clássico bolo de cenoura, sabor familiar, igual a ele já se fizeram milhões, e foi uma alegria maior do que ter inventado uma receita inédita que ninguém nunca sonhou em fazer. 
Eis o que quero, quero sumir na multidão, quero o clássico e o igual, quero simplesmente fazer o que fazem as mulheres há milhares de anos: parir.

foto: para honrar o fim, o começo. créditos: jb/agência passarinho







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