quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

rituais, renascimentos e nascimento


Vim de uma família muito ligada a rituais e, como é comum acontecer e em certa medida saudável, quando eu cresci eu os neguei. 
Nos últimos anos, fui me desapegando de todos eles, um a um. Ritual do aniversário, do casamento, do Ano Novo. 
Foi libertador descobrir que nada precisa, pular onda não precisa, papel passado não precisa. Foi especialmente curativo pra mim, que cresci com um glossário mental de duras condições e proibições a mim mesma criado por ninguém menos que moi-même. 
Aí este ano e disso me dou conta só agora, me reencontrei com os rituais a partir de um outro lugar.
Aconteceu em abril. Eu e ele resolvemos registrar nossa união de três anos em cartório por uma mera questão burocrática, o seguro saúde. 
Fomos ao cartório desencanados, tomamos um café ruim na recepção e lembro de estar sendo divertido. Na hora de declarar desde quando vivíamos debaixo do mesmo teto, nenhum dos dois sabia precisar, então inventamos uma data, 20 de maio de 2010, e assim consta no documento. A mulher que nos atendeu tinha a foto de um bebê bochechudo e rosado no fundo de tela.
Tudo declarado e assinado, saímos daquele cartório na rua dos Pinheiros com uma sensação diferente que, pra mim, teve a ver com preenchimento. O fato é que fomos os dois tomados por uma súbita felicidade, simples assim, então a gente se olhou e disse: "Vamos sair pra jantar hoje?". 
À noite, subimos a Fradique a pé de mãos dadas e comemos e tomamos uma taça de vinho no AK. Sem saber de nada, eu já estava grávida. 
Nós casamos e engravidamos na mesma semana, e foi tudo tão livre, gostoso e curtido que se depois desses episódios eu não fizesse as pazes com os rituais aí é que seria estranho. 
Aprendi com isso que rituais são ótimos quando escolhemos fazê-los do nosso jeito e no nosso tempo.
Também me considero uma pessoa de sorte porque estou cercada de uma família que, apesar de me achar um tanto quanto excêntrica, me respeita e até me ajuda a lembrar quem eu sou. 
Quando resolvi fazer o chá de fraldas do Bento, por exemplo, a tia Carlota encheu a casa de manjericão, salsinha, alecrim e flores do campo em vez de majestosas orquídeas, sem que eu expressasse nada. Acho que nem eu mesma sabia que essas eram as flores perfeitas pra gente naquele dia.
Nesta segunda-feira minha mãe estava às 10 da noite no Extra atrás do "caldeirão do Bento" e ontem de manhã meu irmão me mandou uma foto via whatsapp, de uma Americanas, "é essa a piscina?". 
Meses antes de nascer, nosso menino já tinha padrinho e madrinha escolhidos. Eu me lembro de, uns dois anos atrás, nem cogitar batizar um filho. Mas hoje me pareceu natural e bonito fazê-lo.
Eu só me pergunto: se eu não tivesse conhecido o gosto dos rituais, se eu não tivesse sido levada a batizados, casamentos formais, missas, se não fossem as intermináveis Ave-marias da meia-noite do dia 24 de dezembro na casa da vovó, as sete-ondinhas puladas à meia-noite todos juntos no sal e no escuro, mais de uma década de domingos comendo as mesmas polpetas e balas de leite maravilhosas, será que eu seria capaz de recriar rituais? 
E não são paradoxalmente esses mesmos rituais os responsáveis por algumas das melhores lembranças da minha infância?
O legal é pegar as receitas dos rituais que te interessam e personalizá-las, acrescentando a elas pitadas daquilo que faz o prato encher de sabor pra você. Se achar alguém que tenha o mesmo paladar, melhor ainda. Não importa que seja incomum, estranho ou até trivial. Ontem mesmo ele disse "não tenha medo da margarinização dos sentimentos, às vezes eles são assim mesmo".
Taí uma coisa que eu não tenho, nunca tive, gosto do que é piegas, gosto das flores no cabelo da Tetê-Para-Choque-Para-Lamas, sou ranchera e ainda vou conhecer o México, como leite condensado até hoje de colher apesar de genuinamente amar jiló, o que considero meu mais alto pico na escalada da sofisticação das papilas gustativas.
O Natal. Eu adoro o Natal, sou minha mãe escrita nesse quesito, nunca deixei de adorar e vou adorar sempre. Jingle Bells, filme de Natal, cheiro de pinheiro, 25 de março cheia, trânsito, decorações cafonas, peru, Papai Noel, as castanhas portuguesas assadas da Neri que não existem mais.
Mas o que eu queria mesmo dizer é, é Natal e estamos na iminência de ganhar o melhor presente de todos os tempos: vamos receber nosso filho. Não posso imaginar reconciliação mais bonita e definitiva com os rituais.
*
Gracias a la vida, que me ha dado tanto!
*
Feliz Natal, meus queridos!

Trilha sonora do post: Take me as I am, do Au Revoir Simone: http://www.youtube.com/watch?v=Lu5LxBPbqSc







3 comentários:

tatotucci disse...

que lindo texto, meu amor.
pra variar, lágrimas nos ollhos, que tbem , pra variar, não tem preço!!!VIVA O NATAL...VIVA O BENTO!!!VIVA O AMOR!!!

marcia micheli disse...

Feliz Natal, família! Ritualisticamente, vocês nascem no Natal! NAscer e renascer numa espiral sem fim...Vc é linda, Nan!

ta disse...

Vc é maravilhosa na incrível capacidade de ser simples!
GEnte, se ler vc pré Bento tá sendo ainda mais lindo, imagina dopo! hahah
Escreve escreve!!
beijos!