segunda-feira, 5 de abril de 2010

a benzedeira dos Urubus


Media a distância dos ombros de uma rapariga com um barbante. Passou uns cinco minutos fazendo massagens em suas costas e pronunciando umas palavras estranhas. Depois, se abraçaram como se fossem amigas de longa data. Cheguei perto e perguntei: O que a senhora faz? Eu, minha filha, eu meço inveja e jogo fora. Quer? Tira as havaianas e fica aqui na minha frente. Vou te avisando logo que não é todo mundo que tem, não. Minha Nossa Senhora, menina, ainda bem que você me encontrou. Olha só quanta inveja - mostrou uma sobra de barbante em um dos ombros. Ai, d. Rita, e sabe o que mais? Sinto um bolo no estômago. Mediu minha barriga. Aqui tem muita inveja, filha, não vou conseguir tirar tudo hoje senão não consigo voltar para casa de tão carregada. Buscou ervas no canteiro mais próximo, fechei os olhos. Abre os olhos, minha linda, os olhos tem que ficar abertos. As ervas murcharam, viu só? Você não precisa de remédio, não, é inveja e já tirei, mas ainda falta. D. Rita, e como faço, levo a senhora comigo para São Paulo? Toda vez que alguém se admirar de você, diz, você pensa "não se admira de mim, não", e nunca olha a pessoa nos olhos. D. Rita mora em um lugar que ninguém de Jericoacoara conhece chamado Córrego do Urubu II. Nasceu com o dom de quebrar inveja, não foi herança nem de pai nem de mãe nem de avó índia. No dia seguinte, nós duas nos cruzamos em um beco de novo. Você é aquela bichinha que eu encontrei ontem? Sou. Vamos para o fundo de uma casa para ela terminar a bênção. Mas ainda falta, diz, no fim. Chove, como o povo havia previsto - sempre chove no dia de S. José no Ceará. Liguei para a amiga aniversariante e d. Rita a chamou de Paula querida do meu coração; ele ligou, como se sabendo, e virou o João do coração de d. Rita. Terminamos as duas debaixo de uma loja qualquer, olhando a água cair escondidas atrás da fumaça de nossos cigarros.

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