quinta-feira, 26 de maio de 2011

Sir Brigadeiro


Coisa de morar na mesma rua que a avó: um dia, eu e minha prima tivemos um surto de vontade de brigadeiro e como não havia leite condensado na dispensa apelamos para a vovó. Caminhamos 7 minutos até a casa da rua Irlanda e inesperadamente não havia vovó nem tia nem ninguém ali (nem chave debaixo do capacho). A Manô, que sempre foi mais destemida e pé-de-moleque que eu, não desistiu. Saltou o portão de ferro e, toda suja e feliz, apareceu com a lata.

Não sei o que me deu mas eu, que nunca tinha tocado num fogão, decidi que seria a responsável pela preparação do pontífice dos doces brasileiros, el Brigadeiro. Não sei se é mais uma daquelas falácias da minha memória, mas lembro com nitidez da expressão da Manô quando me perguntou: "Você sabe fazer? Tem certeza?". Tenho. Não sabia, mas meu, era manteiga, leite condensado e chocolate em pó – não podia dar errado.

Vinte e cinco minutos depois, ela invadiu a cozinha e estranhou que eu ainda estivesse mexendo a panela. Meus braços doíam e o rosto esquentava. "Que que é isso? Você queimou todo o brigadeiro!". Queimei. Ficou intragável de um jeito que você levava à boca e tinha que cuspir imeditamente porque em 3 segundos virava uma bolota dura com gosto de nada. A Manô ficou tão brava, gritava que tinha se sujado e machucado as canelas para pegar a lata na vovó, e tinha sido tudo à toa, e como que eu tinha garantido que sabia fazer. Ainda estava com o rosto preto de sujeira, o que conferia dramaticidade à cena.

Após tempos traumatizados pela vil experiência do brigadeiro queimado, no ano passado decidi enfrentá-lo. Comprei os ingredientes e um dia perguntei aos meninos, depois do peixinho frito de sábado, se eles não queriam o doce. Postei-me em frente ao fogão e raciocinei que, se havia deixado queimar em 25 minutos, o tempo ideal deveria ser metade disso. Deixei 10 minutos, esfarelei bolacha maisena, adicionei morangos e finalizei com uma bola de sorvete de macadâmia.

A receita agradou tanto que não só foi aprovada, mas batizada - Fragolone é o seu nome. Virou tradição. Que jucundo prazer servir quem você ama de brigadeiro quente, que vaidoso prazer o dia em que ouvi dela “ninguém faz igual ao seu”.

Mesmo assim não relaxo, toda vez que me levanto para fazer brigadeiro fico pensando que ele vai queimar – e não tem uma vez que o cheiro não me avive a lembrança do hilário episódio compartilhado com a Manô.

Acho que lição de brigadeiro queimado deveria estar em panfletos de auto-ajuda: cozinhar qualquer coisa em excesso é prejudicial à saúde.


Foto: do blog Alma Obesa

8 comentários:

Talita Nozomi disse...

adorei a última frase! Vou levar comigo!!

katia michelle disse...

Eu quero brigadeiro!

nana tucci disse...

Katia Michelle, o melhor dos brigadeiros te aguarda! VEM!

Anônimo disse...

Suas qualidades artísticas são inegáveis, são mais visíveis e nítidas do que a profusão realista de Emillie Zolla (se conheces).
Embora seu estilo seja muito diferente, expressamente único e irreverentemente natural porque tua natureza literária é a prefiguração daquilo que acreditas ser real.
Espero que poste mais.
Obrigado.

Anônimo disse...

Suas qualidades artísticas são inegáveis, são mais visíveis e nítidas do que a profusão realista de Emillie Zolla (se conheces).
Embora seu estilo seja muito diferente, expressamente único e irreverentemente natural porque tua natureza literária é a prefiguração daquilo que acreditas ser real.
Espero que poste mais.
Obrigado.

Ana disse...

Eii, eu estava lendo esse post e achei muito legal principalmente esse tal de Fragolone(eu sou apaixonada por qualquer coisa parecida com brigadeiro!!).Então, se vc quiser me passar a receita( apnas se ñ for incomodo), eu ficaria muito feliz.(Serio, se for algum tipo de receita secreta ou se vc apenas ñ quiser passar a receita para uma estranha, tudo bem).Valeu mesmo assim...

nana tucci disse...

Oi, Ana! Não sei se você vai entrar aqui...menina, demorei pra ver seu comentário. A receita é simples: tirar o brigadeiro da panela quando está, digamos, em ponto de calda (mais líquido; se você cozinhar 1 lata de leite moça a fogo baixo vai demorar uns 15 min). Quando desligar o fogo, amassa bolachas maisena grosseiramente na própria panela. Sirva com morangos frescos e doces picados e sorvete de creme ou tapioca. É o Fragolone. Beijos!

Ana disse...

Hum....
Parece muitoo gostoso, vou tentar fazer aki depois,
valeu bjs