segunda-feira, 2 de abril de 2012

A vida sabe


Escrito por ela, Pó, minha irmã, cúmplice-mor

A vida sabe

Por Paula Desgualdo


"Maria põe o barco n’água, põe o barco n’água para navegar"


(Os Sete Unidos)


Chegou a Paraty quase junto comigo uma notícia dessas que apequenam todo o resto, bambeiam as pernas e amedrontam o coração. A menina dos cabelos castanhos sentiu medo durante a noite escura. Vazio de pesadelo. Tem que lutar na vida, diz o homem dela. E ó que ela luta. É forte feito a carcaça de uma boa canoa de cedro. Então que, no mesmo dia, na Folia de Reis, conhecemos Seu Dito e Dona Maria. Casal de respeito, logo se via. Não havia um que não parasse para cumprimentá-los. A menina, que é chegada numa prosa, puxou conversa. O papo continuou dois dias depois, no sofá da casa deles, lá na Ilha das Cobras. 


Seu Dito é canoeiro, cirandeiro, pescador e contador de histórias. Uma vez, pequenino, pensaram que ele tinha morrido. O corpo já estava pronto para ser velado quando o pai apareceu com uma canoa para ele brincar. Acordou. Suas mãos já esculpiram 360 canoas – a primeira do Amyr Klink foi ele que consertou. As mesmas mãos carregaram orgulhosas a chama olímpica em 2007. Na cabeça, um estoque de causos para qualquer ocasião.  


Dona Maria nasceu na roça, no Fundão. Não fosse o marido caçá-la pelo bairro, estaria até agora enroscada na conversa com a vizinha. É de papo e pega no braço da gente quando fala. Faz sentir que a conhecemos há anos. Adora uma boa festa. Foi no baile que, aos 14, conheceu Seu Dito. Começaram a namorar, assim de longe, como era na época. Casaram e fizeram nove filhos.


Ela 70. Ele 74. Não vi um único toque, mas o carinho está no ar. Nas palavras. Conta para elas, Didito. Tô cantando certo, Maria? Às vezes a fala de um atropela a do outro e não dá para entender nada. Fica ainda mais bonito de ver. Daí, o que era vazio vira outra coisa. Coisa porque é sem nome mesmo. Conforto na alma. 


As ruas de Paraty nos acolhem outra vez, caminho para os pacientes. Ali, quem tem pressa não come cru. Não come. Talvez tope o dedão nas pedras, talvez torça o tornozelo. Pisamos com mais cuidado. Está tudo bem. A vida amostra pra gente, diriam os nascidos naquele chão. 


(24.01.2012)

Foto: Dito e Maria, por Paula Desgualdo


2 comentários:

Pó disse...

gracias, companheira nas ruas de pedra!

manoela quintas disse...

Vocês sao lindas! Mto orgulho sempre