terça-feira, 11 de agosto de 2009

de las tripas, corazón


O médico tinha alguma coisa do avô que passou fulgurante em sua infância. Dele, coleciona uma lã multicolorida de lembranças, mas todas emprestadas da mãe. De sua mesmo, tem três: o jeito irritante como brincava de roubar seu nariz na frente do portão verde desgastado, um brilhante jogo de frescobol na Praia das Cigarras em que bateram o recorde familiar e o choro misturado com o cheiro da bola de tênis na pracinha. Mas o médico lembrava o avô, ele examinou seu coração e disse: menina, não se preocupe com essas coisas, não, sabe por quê? Porque isso é passageiro. A mãe disse filha, a gente pode fazer o que quiser da vida, a gente pode fumar um cigarro às 7 da manhã como o vovô ou a gente pode caminhar no parque, e não existe coisa certa e coisa errada. Um dentista certa vez também lembrou o avô por causa do jeito como tratou um atraso na consulta e um problema de canal. O cardiologista e o dentista tinham olhos azuis, mas não pode ser só por isso. "Vai sorrindo", pediu o médico na despedida, e ficou embaraçado quando ela lhe apertou a mão forte em agradecimento dos mais desesperados. Já sei, eles lembram o avô porque são ásperos como uma lixa de açúcar.

Ilustração: Cadjoo