sexta-feira, 18 de setembro de 2009
drum'n'bass
"Eu ficava encantada com as manhãs, gostaria mesmo que todas as coisas fossem apenas manhã. Era como se, purificado pelo forte sono dos homens, tudo estivesse nascendo novamente. Vinha uma respiração poderosa, inundava o solo, janelas iam se abrindo, a cozinheira varria o ladrilho, junto à porta dos fundos. Então, o que havia de ruim estaria perdoado, recomeçaramos ainda uma vez, pode ser que finalmente acertemos. Em quê? Ah, isso não interessa, é necessário somente que você marche, porque há um caminho a seguir, levando não sei aonde. Acontece que me encontro nele, não pedi para vir, mas aqui estou. A manhã despeja um novo alento, sinto menos funda a tristeza da terra.
As árvores são diáfanas; um manto de névoa cobre o mundo, cada passarinho é uma pequena esperança. Um homem está dormindo. Acabaram-se os sonhos maus, a essa hora ele está maravilhosamente dormindo. Sem perceber, incorpora ao organismo uma substância vital, que lhe dará ânimo na penosa travessia. Os elementos trabalhavam para ele, se harmonizam, o homem acorda. Estira os braços, boceja, uma figura ainda está dançando. O dia é um estupendo poço cheio de flores imprevistas. Uma cor-de-rosa e leve, outra branca; mas surgirão cravos roxos, sarcásticos, acolchoados em fel. O homem não pode prevê-las: levanta-se e começa a viver."
Trecho de A Busca, livro que Maria Julieta Drummond de Andrade, filha do poeta, escreveu aos 17 anos. Teimava em não reeditá-lo. "(...) sentia pudor ao recordar o tom romântico, o transbordamento emocional, a adjetivação exaltada, tão reveladores das dificuldades com que enfrentei a aventura de crescer". Mas aí um de seus filhos pediu para ler o livro. "Emprestei-lhe, com receio, um velho exemplar, que fora dos meus avós. Na manhã seguinte, ele me confessou, comovido: 'Mãe, A Busca sou eu'".
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