sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

bebida de limo


Ficava no canto esquerdo da sala de jantar. Eu não lembro de ter perguntado alguma vez por que ela tomava aquilo, nem o que era - acho que certas dúvidas as crianças preferem guardar com elas só para poder posteriormente teorizar à vontade sem o martelo da verdade para esmagar-lhes os devaneios.
"A nonna toma limo", eu pensava, encarando aquele copo de madeira de formato estranho coberto por uma corpulenta cobertura verde. Décadas depois, seria minha vez de tomar limo, mas não na sala de jantar do Morumbi e sim em território gaúcho, na varanda de uma casa de uma cidade chamada São José dos Ausentes.
Leila, nascida em Carazinho e criada em Apucarana, filha de italianos do Veneto, mulher extremamente doce e frágil que nasceu com a pele de um pêssego, olhos verdes e nariz de Gisele Bündchen. Na juventude, foi apaixonada por um general; adulta, casou-se com um italiano da bota que a venerava e, por toda a vida, amou arroz e chimarrão. E calhou de ser minha nonna.
Não foi amor ao primeiro gole, confesso que estranhei a bebida quente e um pouco amarga que ainda por cima deixava escapar pelo canudinho uns incômodos pedacinhos de erva. Mas bastou um chimarrão para cair de amores pela coisa, amor del lama, à moda dos Irmãos Bertussi.
Passei a "matear", como dizem as argentinas, quase todos os dias, levar ervinha no porta-luvas do carro, tem água quente aí na recepção, moçô? Comprei cuia, investi em uma boa bomba e carreguei na mala o peso de seis sacos de mate. Entendi quando a moça suspirou: "Nós só queremos ficar aqui no nosso sítio, com nossas plantas e nosso chimarrão".
Na varanda do apartamento em São Paulo, mostrei minha cuia à família. "Não acredito que você entrou nessas", disse meu pai, orgulhoso, repetindo o gole, mesmo tendo achado a bebida um bocado menos atraente do que sua caipirinha de limão.
"Chimarrão? Mas tu é gaúcha?", chegou a me perguntar um cabra ao me ver pedindo água quente. "Sou neta", estufei o peito. Era minha primeira vez no Rio Grande do Sul, mas senti como se fosse incalculável.

Foto: Gaiteiro em apresentação no restaurante Galpão Costaneira, em Cambará do Sul

2 comentários:

el pájaro que come piedra disse...

e hoje a minha casa é uma cuia sem fim...

Juvenal disse...

também gosto do mate. trouxe uma cuia que estava em camburi e vou tomar o mate argentino que o miguel paladino me deu fazem uns dois anos. resultado desta vida louca e corrida.