O maior prazer de comer fora é ao mesmo tempo seu maior martírio – esperar sentado a comida chegar. Em casa, ninguém puxa a cadeira antes que todas as travessas cheguem à mesa, já reparou? Fica cada um para um lado, atrás daquilo que mais lhe apetece o estômago. O mais ousado vai até o fogão e espera o momento de distração do cozinheiro para surrupiar uma batata do forno. Tem aquele que furta uma lasca de pão envelhecido da cesta e abre a geladeira na esperança de achar uma fatia de presunto perdida no meio de tanta cerveja e coca-cola. E sempre tem um metido a mestre-cuca que toma a liberdade de abrir a panela, experimentar o molho de tomate e pedir que se ponha mais sal.
No restaurante é outra história, é preciso sentar e esperar, o restaurante impõe a nós todos um exercício civilizatório: suportar o magnífico cheiro da comida alheia e disfarçar a inveja dos risinhos felizes diante da lasanha gratinada fumegante que acabou de pousar na mesa vizinha. Mas é a espera, afinal, que abre espaço para diálogos impossíveis de serem travados no meio de uma batalha em casa para conseguir o queijo ralado que está do outro lado da mesa.
É nesses 20 minutos entre o pedido e a chegada do prato que você fica sabendo o que exatamente o seu irmão está fazendo no emprego novo. Que o pai tem tempo de contemplar a filha mulher sem pressa e lembrar de quando ela era só uma menina que fazia cara de fuinha para foto. Que o neto põe a mão no ombro do avô e pergunta “e aí, vô, como está a vida lá em Curitiba?”. Às vezes, a mesa fica em silêncio, e todos se sentem imensamente agradecidos uns aos outros por não precisarem se constranger diante do nada absoluto e especular sobre o clima em São Paulo.
Como muitos paulistanos, sou filha de pais que nunca cozinharam. Nunca vi minha mãe tirando um bolo do forno ou meu pai picando uma cebola. Por isso muitas das minhas memórias gastronômicas mais afetivas foram vividas em... restaurantes. Nos tempos mais abonados, frequentávamos uma casa italiana nos Jardins, era um salão com paredes cor de salmão e guardanapos de pano. Depois passamos a ir a uma cantina italiana com toalhas quadriculadas nas mesas. No mais chique ou no mais simples, o pedido era sempre o mesmo, pois quem ama comida de verdade não liga para grife: “Por favor, três capeletes ao molho branco. Bastante queijo gratinado. E uma porção de torradas”. Os garçons nem anotavam, apenas diziam “o de sempre, né?”.
Está aí outro privilégio que não se tem em casa – os garçons. Depois de um tempo, sua função principal deixa de ser nos servir e eles se tornam nossos verdadeiros cúmplices. O Calixto, garçom do Genésio, o restaurante com pinta de bar que é o preferido do meu marido, é capaz de trocar o jogo de futebol do telão para que ele possa ver o Santos jogar; incluiu no cardápio a polenta com vôngole que ele inventou de comer um dia; e quando vou lá acompanhada só das amigas, me olha torto e pergunta: “E o João, cadê?”. Se isso não é puro conforto, não sei o que é.
*Texto publicado no recém saído do forno Guia Gastronômico de Cianorte, no Paraná, um projeto da cunhada (e linda) Eliane Medeiros
*foto: eu, Bianca Tucci e Teresinha Laloni, no dia em que a pequenininha comemorou 18 anos. Com almoço na casa da vovó, é claro (e comida de restaurante!).
3 comentários:
adorei, que delícia! e me identifico um bocado. família italiana, não tem jeito... minha vó se chamava ofélia, foi com ela que aprendi a cozinhar. mas ela nunca deixou meu pai tirar um prato da mesa! então minha mãe, nora de italiana (o verdadeiro nome da ofélia era eufemia) aprendeu a fazer o molho de tomate da sogra pra agradar o marido, meu pai. bem vermelho, tinta de pintar o prato. quatro horas de fogão: músculo, cebola, óleo e tomate. uma perdição. porque quando o molho já tá sambando há mais de três horas, quem é que fica sem entrar na cozinha, puxar uma coca-cola, lascar um pão e mergulhar a fatia na panela enquanto a cozinheira dá as costas? =]
Tata, vovó Ofélia! Já vi um vídeo com ela e me delicio com suas histórias. Sua mãe é corajosa, hein? hehehe. Obrigada pela atenção, querida. Beijo estalado
bem, tem os garçons, mas também tem o ex-presidiário...
amei, anjo!
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