quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Os olhos que não embaçaram


Ele escolheu a cadeira próxima à saída, o vento do abre-e-fecha-a-porta, o barulho da campainha.

Com tantas pessoas na sala de espera, ela não tinha reparado naquele senhor que coçava os olhos sem parar e parecia absolutamente incomodado.

A sala lotada de gente, o senhor na cadeira próxima à saída e ela pensando o que diacho estava acontecendo: sua consulta era às 10 horas, já eram 10 horas e parecia que antes dela havia a humanidade inteira para ser atendida.

Quarenta minutos depois e duas pingadas de colírio depois, ele continuava lá, cabisbaixo, como se estivesse sentado à beira do rio São Francisco esperando Danúbio passar.

Uma hora ele foi. Como sentiu sua falta. Sabia que era o único que a entendia naquela sala abafada e silenciosa (por que mesmo passava o programa da Ana Hickmann na televisão? por que mesmo o banheiro se confundia com um armário de marfim atrás do balcão das secretárias?).

Quando foi embora, ela foi se sentar na cadeira próxima à saída.

Zé. Seu nome é Zé e uma jovem com pinta de ser uma comédia o acompanhava. Ele usava uma calça social e all-star preto. Ela só sabia isso. Mas imaginou. Imaginou que ele odeia médicos, acompanhantes, calor, acha que a Ana Hickmann parece uma girafa, adora cinema e não tira do pé o all-star que ganhou da neta.

Ele a deixou folheando uma revista antiga enquanto esperava seus olhos ficarem embaçados. Os olhos que, por um estranho acaso, não embaçaram desta vez.

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