quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Quando ainda era a Rodésia do Sul


"Eu voltava devagar pela trilha comprida, sentindo o calor aumentar, os tomates pesando nos braços. Na volta eu não corria ao passar pelo território da jibóia, mas ficava de olho no capim, no caso de algum movimento ondulado significar que ela estava vindo me pegar. Devagar seguia meu caminho, ouvindo os pássaros, os pássaros da África, especialmente os pombos, o lento ruído que induz devaneios e nostalgias.

Punha os cestos lado a lado, sobre a mesa da cozinha, e bebia um copo atrás do outro de água morna do filtro. "Faz uma sopa para nós, para o almoço", Joan dizia da varanda, onde repousava numa espreguiçadeira de vime, a outra repleta de gatos. Eu enchia a fornalha do fogão Carron Dover, igual ao nosso ― igual ao de todo mundo, na época ―, arrumando a lenha de modo a deixar espaços para o ar e logo mais o fogo ardia. De um gancho sobre o fogão eu baixava o enorme tacho de ferro preto que sempre cheirava a ervas aromáticas, por mais que fosse lavado. No tacho eu despejava os cestos de tomates, dez quilos ou mais. Colocava o tacho no fogo e ia sentar na amurada da varanda dos fundos, as pernas balançando, vendo as galinhas ciscarem, os cachorros, se estivessem por lá, os gatos, cujas vidas corriam paralelas às dos cães, sem tomarem conhecimento uns dos outros. Os gatos tinham suas próprias cadeiras, lugares, moitas, onde aguardavam passar o pior do calor do dia. Os cães circulavam pela varanda mas nunca entravam dentro de casa, território de Joan e dos gatos.

Mais ou menos uma hora depois eu tirava o tacho do fogo. Estava cheio de uma polpa vermelha, borbulhando devagar. Com a colher de pau eu ia mexendo o caldo e, com a outra mão, pescava os pedaços de pele com uma colher de prata. Esse era um lento e agradável processo. Depois de fisgadas todas as rodelas de pele rósea, eu punha sal, pimenta, um punhado de tomilho e um litro de creme de leite bem amarelo. Aí o tacho voltava para o fogo, para cozinhar em fogo brando por mais uma hora.

Depois, o almoço. Pratos cheios de caldo vermelho perfumado, que faziam a cabeça girar com seu aroma. Mais que tomar eu absorvia aquela sopa, junto com as lembranças da horta, onde àquelas alturas centenas de pássaros estariam tomando água nos baldes ou se espojando na poeira dos canteiros. O arrulho comprido dos pombos, o cheiro forte dos tomates, a jibóia ― tudo isso fazia parte do gosto.

Sopa de tomate é isso. Nunca se contente com menos."

Trecho de Debaixo da Minha Pele, primeiro volume da autobiografia da escritora iraniana Doris Lessing

Foto: David Freddyfoyle

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