sexta-feira, 13 de março de 2009
Wally Laloni
Morreu Wally, filho de Tonico e Mel. Encostou-se na velha poltrona da sala onde costuma se sentar Têra, descansou a cabeça no chão e morreu.
No Natal de 1993, um dos cunhados se vestiu de Papai Noel e veio do fundo do quintal trazendo um poodle com uma fita vermelha enrolada no pescoço. Os netos, extasiados, disputavam o cãozinho que esquentava de colo em colo, um bibelô natalino. Os filhos deviam estar sentindo uma felicidade cautelosa, amarela, à espera de um olhar permissivo de Têra.
Ela sorriu e meio a contragosto segurou o filhote, muda.
― Gostou, vó, gostou?
O gostar da gente às vezes é meio torto, caminha aos tropeços, segue cambaleando mas, de repente, é.
Têra, sem seu Hugo, aos poucos se acostumou com a presença do cachorro que o marido tanto queria ter. Wally aos poucos se acostumou com a presença de seu arquiinimigo Frederico.
Durante metade de sua vida foi febril, intempestivo e rude; nos últimos oito anos, uma inesperada placidez tomou conta do bichinho. Alguns dizem que tornou-se sábio com a idade e, em vez de mostrar os dentes quando Frederico o fitava provocante, aprendeu a se retirar. Há teorias de que tenha sossegado depois que a tia Maria lhe marcou o traseiro com uma chinelada impiedosa porque ele havia sumido com sua dentadura.
O fato é que em um recente Natal, já cego, escorregou do terraço do quarto e foi visto se arrastando no asfalto, tremelicando e gemendo. "O Wally caiu!", avisavam. "Mãe, é melhor levarmos o Wally para o hospital, olha o estado dele", pedia Cristina. Estava curvado, caminhando com muita dificuldade. Tinha horas em que o tremelique recomeçava e todos se aproximavam dele desejando carregá-lo no colo, mas ninguém conseguia. Wally, em algum momento de sua vida, rejeitou ferozmente um carinho e desde então só as visitas se arriscavam a tentar.
Era triste ver o cão naquele estado, mas um tanto cômico: o invisível Wally virou Jesus no Natal.
― Hoje ― disse com firmeza Frederico, e fez-se um raro silêncio na sala ― até eu estou com dó do Wally.
Têra olhou bem para ele e, com certeza de mãe, deu a sentença:
― O Wally não vai para o hospital coisa nenhuma. A dor vai passar.
Wally sobreviveu e viveu tranquilo e sereno mais três ou quatro anos, à exceção de outro acidente (as crianças empilharam as almofadas do sofá e o colocaram em cima. "Wally é o rei, Wally é o rei!". Wally caiu e teve um troço, as crianças, desesperadas, gritando junto com ele).
Quando morreu, numa quinta-feira em que Têra, prevendo o adeus, suspendeu o tradicional almoço, a neta que estava na barriga da mãe no dia em que Wally chegou à família, chorou.
A notícia correu feito brasa e todo mundo ficou sabendo que Wally se foi. Na mesma sala onde espalhou inúmeras vezes papel higiênico sujo, roubou restos de comida dos pratos e levou chutes enquanto acompanhava os almoços debaixo da mesa. Wally se foi grudado na barra da calça azul de Têra para, talvez, sentir menos medo. E só se foi porque Têra, como fez silenciosamente durante toda a vida, garantiu: está tudo bem.
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5 comentários:
Nana querida,
Adorei a homenagem que fez para o Wally. Afinal, ele fez parte de nossa família e de nossa história. Parabéns!!!!!!Gostaria de acrescentar uma informação importante: o tio Ze Hugo foi um grande herói, pois foi ele que tirou o Wally da casa da vóvó e o levou para a Usp. Obrigada Zé, pois está parte era a mais difícil: a despedida....
bjos
Claudia
o wolly se foi quando mais ninguem esperava q se fosse, todos se perguntavam quando seria sua hora, como ele estaria no proximo natal, natal que ele não será mais presente, mas suas histórias estarão sempre nas nossas memórias.. levou consigo muito de uma familia bastante grande e bonita. um cão de duas fases, com sua quietude se foi, deixará saudades nas famosas quintas feiras.
te amo irmã. beijo nico
Nã, eu com a recém chegada Aurora, não consegui conter as lágrimas...nao conseguiria da mesma forma,sem Aurora. Que lindo, Nã...como diria Quintaninha, belo em sua tristeza!
Nana,
Nos aqui do outro lado do continente nao pudemos deixar de nos emocionar e de pensar:" Poxa! Nos estavamos todos juntos no Natal do Wally!"
Tio Brenno leu hoje seu texto e gostou muito...ele pediu para que voce envie para ele o que voce escrever!
Todos estamos muito orgulhosos de voce .
Beijos
Tia Renata
Jobinhas, fico tão feliz que tenha gostado! Que gostoso receber um comentário seu, amiga. Aurorinha ainda vai trazer muita felicidade ao seu lindo lar.
Tia Re, vocês fazem muuuuita, muita falta no Natal. Boas lembranças, né? Que visita maravilhosa, tia, por favor, volte sempre. Beijos para os Molinas e para o tio Breno!
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