segunda-feira, 13 de julho de 2009

iceberg derretido


Certamente aconteceu antes, mas a primeira vez que me lembro de me sentir sozinha foi em Cincinnati, cidadoca em Ohio que talvez nem americano conhecesse se não fosse um tal torneio de tênis. Todos os primos tinham feito viagens pelo Cisv: o Lico foi pra Dinamarca, a Marcela, pra Noruega, a Pat foi pras Filipinas. E eu caí numa mansão de três andares em Cincinnati, com playground, bosque particular e um quarto só com bonecas de porcelana acomodadas em berços dourados. Dormia numa cama com edredon de pluma de ganso e minha irmã, a elegante, magricela e bronzeada Liza, aplicava nela mesma injeções a cada poucas horas. O que é isso, Liza? Não me lembro de ter me explicado que se tratava de diabates, apenas sorria docemente, que doce ela era, e nunca reclamava.

No primeiro café-da-manhã, a mãe, Anne, me perguntou se eu queria leite ou suco de maçã. Feliz, vislumbrando um copão cheio de leite com nescau, bem gelado, "leite", respondi. Ganhei um copão de leite - só que puro. Tem gosto de coco, é tipo uma água de coco, ok, vamos lá. Anne me perguntou alguma coisa enquanto eu me sentia um bebê da propaganda da Parmalat e, lacônica, com inglês-acabei-de-entrar-na-Cultura, fiz que sim com a cabeça. Ela colocou mais leite no meu copo que, nesta altura, com muito esforço, estava já pela metade. Até o topo. Foi a primeira história que eu contei para a família quando voltei e todo mundo riu pra burro.

No segundo dia na mansão, perguntei à Anne, chorando, se podia ligar para casa. "Diga que é collect call, filha", minha mãe tinha me ensinado. Ela relutou e eu usei a frase: "É collect call, Anne". E a mulher tinha um Jaguar na garagem. Com cuidado, me explicou: "Querida, não posso deixar, é regra do Cisv, você tem que ficar 1 mês sem falar com a sua família". Chorei, chorei, e estava na cozinha quando ela finalmente consentiu. "Eu sabia", pensei, "é pisciana, é das minhas". Durante os parcos minutos que falei com meus pais, me segurei tanto para não chorar que era estranho ouvir minha própria voz. Por quê quando esprememos alguma coisa dentro da gente e falamos outra, nos escutamos com estranha nitidez? Tudo bem, tá legal, também sinto saudades, mãe. Tudo em câmera lenta e uma pontada bem no meio do peito crescendo igual tinta em balde d'água. Desliguei e fui soluçar no quarto antes de sairmos para ver os fogos de 4 de julho num parque. Até hoje minha mãe diz: "Depois que eu falei com você fiquei mais tranquila, você parecia forte".

Passei o resto do mês em um acampamento com umas outras 30 crianças do mundo todo fazendo atividades do tipo caça ao tesouro (se podemos dividir o mundo entre pessoas que gostam disso e pessoas que detestam isso, eu me enquadro no grupo que acha gincanas um pé no saco). À noite, quando a criançada fazia algazarra correndo de um quarto para o outro e enlouquecia os monitores, eu chorava, agarrada a um terço de madeira e ao hipopótamo Nandinho. Havia coisas bacanas: as noites nacionais, quando cada delegação representava de todas as formas que quisesse o seu país. Nós brasileiros dançamos frevo, fizemos bagunça na sala com confete e serpentina cantando Tic Tic Tac e preparamos brigadeiro e pão de queijo (não existiam aqueles pré-prontos, usamos um panelão mesmo, ficou divino).

Daquele mês, tenho suficientes boas lembranças para preencher centenas de posts. E carrego comigo a silhueta cristalina, durante muito tempo espinhosa, da solidão. Igual a Tudo na Vida. Os julhos passam e você aprende que a solidão de um mês nos EUA afastada dos pais com 11 anos é diferente da solidão de um mergulho no fundo do mar do Caribe e é diferente da solidão da mulher que inventou um machucado no braço de madrugada para ouvir melhor a própria voz.

4 comentários:

katia michelle disse...

te pago um sorvete quando estiver em curitiba. prometo. bj. mi.

Giu disse...

Eu e você somos ridículas. Não acredito que a gente assistiu e citou o mesmo filme.

Marco Tucci disse...

Nã,
com certeza essa solidão que você sentiu la te deu mais maturidade para você sabe lidar melhor com seus medos hoje em dia...
eu fico com a solidão do mergulho do Caribe, quando nos damos conta de algo tão mágico em nossa frente, as vezes nos sentimos inseguros e cheio de dúvidas, mas é justo nessa hora que devemos deixar esse momento prevalecer e curtir o que para nós é o segundo perfeito.

Olivia disse...

lindo post, Nana!
Ô menina forte :)